“Toda minha gratidão ao povo do Amapá”. João Capiberibe

 

Hoje, primeiro de fevereiro de 2019, um dia definitivo! Desses que fincam estacas na vida da gente. Hoje concluo, com o coração sossegado o mandato de Senador da República delegado a mim pelo povo do Amapá, na certeza que honrei a confiança dessas pessoas, e de que nosso pacto político foi cumprido, e ampliado, em 2018 tive o dobro da votação que obtive na eleição de 2010, a que meu deu esse mandato que está terminando hoje.

Permitam-me algumas confissões pessoais. Sou um ser humano feliz, cultivei nas minhas primaveras, a septuagésima segunda está na porta, os mais generosos sentimentos sobre meus semelhantes. Sou um homem de fé, mesmo em tempo de trevas (prisão em 1970), mantive acessa a chama da esperança, nos momentos de incerteza eu me dizia: “vou sair vivo daqui”.

Transitei da paixão política desbragada à serenidade e ao equilíbrio na interpretação das aspirações populares e nos encaminhamentos de suas lutas, daquelas que empurram a vida coletiva pra melhor. Propus políticas que ampliam a democracia e asseguram cidadania. Apresentei e fiz aprovar a Lei Complementar 131/2009, conhecida como Lei da Transparência, que liberou informações detalhadas sobre receitas e despesas públicas em tempo real na internet. Antes de virar lei geral para o país, no Amapá que governei de 1995 a 2002, os gastos públicos detalhados já estavam na web em tempo real. Foi nossa primeira experiência de política pública desenvolvida no Amapá que virou lei.

Dito isso, permitam-me lhes contar uma curta história que começa numa noite de dezembro do ano de 1980. Nós, eu e Raimundinho, depois de um dia escaldante, arrastamos as cadeiras de macarrão pra calçada, ficamos nos embalando e pegando vento. Jogando conversa fora em frente a casa de nossa irmã Conceição, na Raimundo Álvares da Costa. Lá pelas tantas eu disse a ele: qualquer dia desses estarei de volta, vou ser governador do Amapá. O susto foi tamanho, ele quase caiu da cadeira.

– Estas sonhando mano! Os “homens” não te deixam nem mesmo viver aqui, como pensas em governar o Amapá?

De lá para cá já se foram trinta e oito anos. É desses anos vividos que quero lhes falar, porém sem lhes desanimar. Dizem que textos longos não rolam nas redes sociais, por isso prometo ser breve, ou quem sabe envolve-los de tal maneira que lhes desperte a curiosidade em saber o final dessa história.9

Quando essa conversa se deu, eu morava em Recife, estava passando o final de ano em Macapá. Aos trinta e três anos minha vida era um vendaval de expectativas, o futuro me pertencia e me fascinava. Não era para menos, estava recém chegando de minhas andanças pelo mundo. Foram nove anos de exílio, saltitando de uma país a outro, passei pela Bolívia, Peru, Chile, Canadá e Moçambique, acompanhado inicialmente de Janete e Artionka, e mais na frente, a partir de Santiago do Chile, dos gêmeos Camilo e Luciana. A volta definitiva ao Brasil se deu na véspera do Natal de 1979. Sem clima para viver em Macapá fui morar com a família em Pernambuco, onde trabalhei com Miguel Arraes, que também estava retornando do exílio. Foram dois anos em que fiquei com um pé lá e outro cá, até que em março de 1982 nos instalamos definitivamente em Macapá, a partir daí começa a aventura humana envolvente que me leva a cumprir o que prometi ao Raimundinho. O primeiro capitulo dessa trajetória passo a narrar em seguida.

Dia de eleição, 15 de novembro de 1982, seis horas da manhã. Alguém bate a minha porta. Um cidadão se apresenta: “você não lembra de mim, servi o Exército na 5a Companhia de Guardas em Belém, compus sua escolta quando você estava preso, hoje estou aqui para lhe acompanhar e lhe dar segurança”. Assim foi feito, eu e Carioca, passamos o dia visitando as seções eleitorais. Recebi uma grande votação para deputado federal, mas insuficiente para me eleger. Não posso deixar de lembrar que nessa campanha, aliás como em todas as seguintes, comi o pão que o diabo amassou. Anibal Barcellos, interventor no então Território Federal do Amapá, não queria ver eleito um opositor da ditadura civil-militar, que ainda se impunha ao país, determinou que uma viatura policial estacionasse na porta do meu comitê. Claro, os eleitores sumiram, mas ainda assim, em um universo de 44 mil votantes, recebi 1.844 votos, um tremendo sucesso.

Mas a grande surpresa viria alguns anos depois, quando menos se esperava, aconteceu. Claro que fiz por onde, de março a novembro de 1988, bem antes do sol por a cara no horizonte, eu ganhava as ruas levando na ponta da língua o que fazer caso eleito prefeito de Macapá. O rolé começava pela Rampa do Santa Inês, onde tomava café com tapioca e acompanhava os canoeiros encostando para desembarcar o açaí nosso de cada dia. Em seguida percorria mercados e feiras, daí para o porta a porta até o sol voltar a se esconder. Lembro de uma vez em que bati em uma casa no bairro Santa Rita. Um homem de aparência e sotaque estrangeiro me atendeu, apresentei-me, disse-lhe que era candidato a prefeito de Macapá. Sorriu-me e gentilmente me convidou a entrar. Ouviu-me atentamente e me disse ter gostado do que ouviu, parabenizou-me pela proposta, mas finalizou lamentando que eu era pouco conhecido e que minhas chances de ser eleito eram quase nulas, e me desejou boa sorte. Sua previsão não se confirmou, quando abriram as urnas o inusitado se apresentou, o povo do interior se juntou ao povo da cidade, tendo como ponto de encontro a Feira do Produtor, criada por mim em 1985 quando secretário de agricultura, para nos confirmar nas urnas. Fui eleito prefeito e Janete vereadora no dia 15 de novembro de 1988.

O tempo passou voando, quatro anos depois, deixo a prefeitura nos braços do povo, o que me credenciou a vir candidato a governador em 1994 quando fizemos a campanha Tudo Por Nossa Terra, recuperando a autoestima de quem vive por aqui, a margem esquerda do rio Amazonas. Uma campanha eleitoral inovadora, tocada por uma militância voluntária movida a esperança, onde cantávamos em prosa e verso o legado de nossos ancestrais, a nossa paisagem exuberante e as relações do cotidiano do nosso povo. Venceu a esperança! No dia 1o de janeiro de1995 tomo posse como governador, Janete toma posse como deputada estadual reeleita, juntos, traduzimos as promessas de campanha no PDSA, Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá, que em quatro anos produziu resultados tão bons que o povo pediu e teve bis, fui reeleito governador em 1998.

Mas o que era bom para o povo desagradava a elite política a ponto de tramar minha eliminação física, cerquei-me de cuidados e consegui sobreviver. Inconformados, aprovaram meu impeachment na Assembleia Legislativa. Na época se juntaram deputados estaduais e federais, os três senadores, mais os desembargadores, e 90 % da imprensa para me afastar do governo. Mas a vice governadora Dalva Figueiredo não concordou com o golpe, o povo ocupou as ruas, eles recuaram de cabeça baixa, e eu segui governando até o dia 04 de abril de 2002, quando me desincompatibilizei para me candidatar a senador na eleição de outubro daquele ano. Até hoje os mais velhos, e alguns pesquisadores me indagam sobre o porquê desses conflitos. Aproveito esse dia histórico para lhes revelar porque tive tanto problema com a governabilidade. Decidi equilibrar as contas públicas e distribuir com equidade seus benefícios. Para isso era necessário reduzir pela metade os gastos dos poderes, foi o que aconteceu, de 1995 a 2002 os gastos desses poderes (Alap,Tjap, Mpe, Tce) caíram pela metade, é o que consta nos balanços gerais desses anos. Claro que isso me criou uma dor de cabeça infernal, com sequelas que chegaram aos nossos dias, como vamos poder constatar no final dessa história.

Ao longo dessa caminhada venho acumulando uma enorme dívida de gratidão com o povo do Amapá, não é para menos, depois de prefeito em 1988, duas vezes governador, 1994 e 1998, esse povo generoso volta a me escolher em 2002, e me manda representa-lo no Senado da República, Infelizmente essa decisão popular não foi respeitada. Uma trama urdida nos bastidores da política e do judiciário, liderada por José Sarney, levou à cassação do meu mandato de Senador e o mandato de Deputada Federal de Janete, no TSE em Brasília. Lembram acusação? Termos comprado dois votos por 27 reais cada, pagos em duas parcelas, segundo depoimento de duas mulheres humildes contratadas e pagas pelo PMDB. A compra dessas testemunhas veio a público, infelizmente tarde demais, por uma série de matérias da jornalista Katia Brasil, da Folha de São Paulo, em fevereiro de 2011.

Na minha vida e de Janete, a cassação foi um acontecimento tão cruel e doloroso quanto a prisão durante a ditadura, foi um balde de água gelada em nossa inserção na politica nacional. Mas para nossos poderosos e insaciáveis adversários, na bastava nos roubar os mandatos, era preciso nos eliminar definitivamente da cena política. Usaram e abusaram dos meios de comunicação para desconstruir nossa imagem pública. Da alvorada ao crepúsculo, os jornais e as emissora de radio e televisão mentiam a nosso respeito sem que tivéssemos direito de resposta. Recorri a justiça, ganhei dezenas de ações indenizatórias e criminais, lamento que até hoje apenas três ou quatro dessas condenações tenham sido executadas. De pouco adiantou a tentativa de linchamento público, uma vez mais o povo do Amapá nos estendeu a mão, em 2010, Camilo se elege governador, Janete se reelege pela terceira vez deputada federal, e eu volto ao Senado para cumprir esse mandato que está expirando hoje.

Oba! Estamos quase chegando ao fim, mas não poderia deixar de lhes dizer que a transparência dos gastos públicos, consagrada em lei, ganhou um complemento, trata-se da gestão compartilhada dos gastos públicos, cujo conteúdo você vai encontrar no PL 9617/ 2018 de minha autoria, que está na boca do forno, ou seja, já aprovado no Senado, e em duas comissões da Câmara, aguarda votação em plenário. Está a dois passos de virar lei. Transparência e gestão compartilhada, dois projetos de cidadania, dois instrumentos de combate a corrupção. Com as informações disponíveis nos portais de transparência dos entes público, a lei da gestão compartilhada se encarregará de organizar grupos de cidadãos em aplicativos para o exercício do controle social. Esse será o meu legado ao país, duas leis desenvolvidas pensando no protagonismo do cidadão no exercício do controle social e na ampliação da democracia usando a tecnologia digital.

Ufa! Estamos quase chegando ao fim! Não poderia deixar passar em branco os acontecimentos eleitorais do ano passado. Uma campanha eleitoral histórica, emocionante, com gente do povo participando ativamente. Nossas caminhadas eram alegres e recebidas com festa nas ruas. Falamos aos quatro cantos que governaríamos com transparência e gestão compartilhada. Prometemos equidade na distribuição do orçamento, e apresentamos uma proposta clara para o desenvolvimento sustentável de nossa economia promovendo a agroindustrializão do Amapá.

Vocês ainda devem lembrar, as pesquisas nos davam ampla vantagem. Na sexta-feira, a menos de 48 da eleição, pelo IBOPE e pela MENTOR, eu liderava a disputa para o governo do Estado com dez pontos a frente do segundo colocado, e Janete com sete pontos a frente do terceiro colocado, o que lhe garantia a segunda vaga ao Senado. Estávamos tranquilos e confiantes na vitória quando na mesma ‪sexta a noite‬ recebi a notícia que o TSE havia determinado a exclusão do PT da nossa chapa. Como já havia passado por situação semelhante em 2010, conclui que além do mal estar com o PT, essa decisão não afetaria o resultado das eleições de domingo.

Mas o pior estava por vir, no sábado demos entrada no TRE na nova nominata substituindo os do PT, o vice na minha chapa de governador, e os suplentes na chapa do senado de Janete. Esclareço, não havia qualquer punição em relação ao PSB, aliás neste pleito não contrariamos uma única virgula da legislação eleitoral, no entanto o TRE saiu fora da lei, e no sábado, em reunião administrativa, decidiu melar o jogo mandando anular antecipadamente os votos que eu e Janete receberíamos no domingo. Essa decisão, propagandeada de norte a sul pelo próprio TRE, disseminou a dúvida sobre a validade dos votos dados a mim e a Janete. Tivemos um domingo caótico, tentamos pelos pouquíssimos meios disponíveis, restabelecer a verdade, mas nos foi impossível, a decisão injusta e ilegal do TRE atingiu a soberania do voto popular modificando o resultado da eleição de 2018.

E o futuro? O futuro ao povo pertence. A partir de hoje fico sem mandato, mas continuo na militância política, a serviço do meu partido, do Amapá e do Brasil. Finalizo declarando em alto e bom tom, tudo o que sou devo ao povo do Amapá. A esse povo generoso minha eterna gratidão.

João Capiberibe, ex-prefeito, ex-governador por dois mandatos, e a partir de hoje ex-senador.

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