Saúde física, mental, social e espiritual e a completude humana: Alimentando essas dimensões em tempos de pandemia

*Renata Ferraz. Psicóloga Clínica 

Durante muito tempo, a saúde foi entendida simplesmente como o estado de ausência da doença. Considerada insatisfatória, esta definição de saúde foi substituída por outra, que gradativamente foi se expandindo e evoluindo para um bem-estar físico, mental, social e espiritual do ser humano. Sendo assim, o conceito de saúde nos tempos atuais tornou-se mais complexo, visto que está relacionado com a várias dimensões que fazem parte de um indivíduo holístico. Portanto, ter saúde significa apresentar um equilíbrio nestas dimensões, garantindo então uma qualidade de vida mais satisfatória.

Baseado na concepção integral de homem, a saúde física seria a mais básica, representada por um corpo em pleno funcionamento, livre de doenças, bem nutrido e ativo; a saúde mental seria a manutenção da estabilidade entre as emoções e sentimentos (saber lidar com as emoções boas ou ruins, reconhecendo suas limitações) diante de adversidades, conflitos e mudanças repentinas que alteram uma rotina; a saúde social diz respeito a construção e conservação de vínculos afetivos significativos com família, amigos, colegas de trabalho e comunidade em geral; por fim a saúde espiritual deveria ser a dimensão mais simples, porém é a mais difícil de ser experienciada e está relacionada à fé e às crenças individuais/subjetivas do ser humano.

As condições da nossa saúde são dinâmicas, podendo ser afetadas constantemente pelos acontecimentos diários, ou seja, algo que não estava previsto no “script” pode gerar uma situação estressante, desequilibrando uma ou todas as nossas dimensões de saúde. Tal exemplo, é a vivência da pandemia instalada no nosso planeta desde o primeiro semestre de 2020, quando o medo do contágio por um “inimigo invisível” coloca em risco a nossa saúde sob os diversos aspectos: físico, emocional, mental, social e espiritual, já que a preservação da vida sobrepõe a manutenção de nossos hábitos cotidianos.

Repentinamente, passamos a nos adaptar em diversos sentidos, tivemos que aprender “novas formas” de trabalho presencial e à distância, de consumo e de socialização. Através das restrições impostas pelo isolamento social nos reinventamos, transformamos nossa casa em academia particular ou espaço para cultos religiosos, a falta do convívio social em grupos de amigos de Whatsapp através das ligações de vídeo chamada, o trabalho laboral e doméstico em divisões pré-determinadas de tempo, a reclusão como a possibilidade de autoconhecimento ou para realizações de orações e meditações, dentre outros. Entretanto, ainda não aprendemos a lidar com a finitude, pois não conseguimos nos omitir e/ou esquivar da dor e do sofrimento psíquico vivenciado com a perdas que este cenário pandêmico nos apresentou, abalando diretamente a nossa dimensão espiritual. 

Encontrar respostas que tentem justificar “os porquês” para esses sentimentos de impotência diante das perdas não minimiza a culpa de não poder evitá-las. Faz-se necessário então um processo de elaboração psíquica aliado ao fortalecimento espiritual das crenças individuais para o desenvolvimento da aceitação do luto, ressignificando assim o verdadeiro sentido da vida. 

O exercício da espiritualidade ou da busca de crenças pessoais que deem sentido às nossas ações devem ser encarados no dia a dia como uma ferramenta importante para o sustento de nossas próprias necessidades existenciais, uma vez que essas expertises nos possibilitam uma perspectiva de vida mais otimista e equilibrada, já que estas crenças têm o papel de ser um elemento estruturante e de suporte à manutenção e fortalecimento da nossa saúde física, mental e social.

Infelizmente, para muitas pessoas, a dimensão espiritual nem sempre têm espaço de relevância e de necessidade em suas vidas. Contudo, em muitos casos são essas pessoas que em momentos de fragilidade, desespero e desamparo, se voltam ao âmbito metafísico e espiritualista buscando alguma forma de alívio e de conforto emocional e psíquico. 

Talvez, esse paradoxo demonstre o quão importante é a dimensão espiritual para a saúde e o quanto não deve ser descartada em nossas buscas individuais por equilíbrio sócio afetivo. Já que diante de situações adversas, mesmo em níveis mais inconscientes, a nossa debilidade espiritual funcione como uma forma reprimida de aceitar a espiritualidade como uma importantíssima força latente capaz de nos motivar a seguir em frente. Minimizar ou negar essa dualidade entre corpo e espiritualidade fragmenta o ser humano uma vez que altera a concepção de homem na sua totalidade formado por matéria e “psique” no sentido etimológico da palavra. Ter cuidado com a saúde, significa cuidar do corpo, da mente e do espírito uma vez que todos fazem parte de nossa completude humana. Neste aspecto, fica a reflexão: como estamos alimentando nossa dimensão espiritual em tempos de pandemia?  

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