Responsabilidade coletiva na pandemia. Oportunidade de nos reconfigurarmos como agentes transformadores, ajudando a minimizar impactos emocionais e sociais

* Renata Ferraz. Psicóloga clinica. 

Diante do cenário inédito de crise sanitária global advinda da pandemia covid-19, os gestores públicos de todas as esferas, vivenciam seus maiores desafios frente a gestão pública. Se não bastasse a gravidade da enfermidade amplamente contagiosa e o seu elevado índice de letalidade, eles precisam lidar com a instabilidade política, marcada pelas extremas desigualdades sociais, no que tange ao acesso à saúde, as questões étnico – raciais, de gênero, educacionais, etc. 

Nenhum gestor público e/ou entidade organizacional pública estavam preparados para o caos que assolou nossas dinâmicas sociais, mais ainda os países com economias e políticas instáveis em constante colapsos econômicos advindos das crises mundiais. Desta forma, não foram realizados planejamentos estratégicos com equipes técnicas funcionais atuantes para a contenção e/ou proliferação do vírus, de forma que garantissem à população brasileira um dos princípios básicos da nossa Constituição Federal: o direito à vida.

 Mesmo que a comunidade acadêmica e científica internacional já preconizasse, através de seus relatórios anuais, a possibilidade de uma doença catastrófica no mundo em virtude do constante avanço do desequilíbrio ecológico, muito pouco foi feito no sentido de minimizar os impactos e os resultados de uma doença epidemiológica em larga escala global. 

Diante do quadro irreversível que a doença tomou, muitos gestores adotaram isoladamente em suas regiões planos de contingências, através de medidas preventivas mais duras para mitigar o risco de contaminação, tais como: a decretação de quarentena, rodízios de veículos e lockdown, alterando a rotina diária com fechamento de órgãos públicos, empresas, comércios, escolas, reforçando assim o isolamento social. Contudo, durante o avanço do contágio da COVID-19 pelo mundo, até que fosse tardiamente classificada como uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde – OMS, percebeu-se que não é fácil para as pessoas em posição de poder como gestores públicos, manifestar destreza na tomada de decisões em situações extremas, revertendo a situação de “crise” para “controle”, haja vista que tais decisões envolvem vidas, responsabilidades coletivas e segurança sanitária.

É um esforço sobre humano manter um comportamento positivo, assertivo e inabalável diante das dificuldades atuais vivenciadas pelos efeitos desencadeados pelo coronavírus, como: a superlotação dos hospitais, a falta de insumos, infraestrutura básica em muitas unidades de saúde e queda brusca na arrecadação financeira. Tomadas de decisões em meio a um cenário tão desordenado é um ato de audácia por parte de gestores, uma vez que são pressionados a implementar, em curtíssimos prazos, políticas públicas sanitárias e econômicas que foram postergadas por décadas, na tentativa emergencial de combater um vírus totalmente desconhecido, cujas sequelas são imprevisíveis.

Desta forma, é imprescindível compreender uma pandemia sem estar imerso em ideologias políticos partidárias; sem paradigmas de “situação ou oposição”; considerando e respeitando o conhecimento científico e a ciência (Organização Mundial da Saúde – Ministério da Saúde); sem populismos de qualquer espectro político. Tais atitudes corroboram na reconstrução de um pacto social mais justo em defesa de todos e não apenas nos nichos sociais nos quais estão submersos os líderes políticos.

Não podemos generalizar a atuação de todos os gestores públicos, uma vez que cada um deles sem uma liderança eficaz na perspectiva macro de tomada de decisões, atuaram seguindo as motivações de suas naturezas individuais e suas orientações políticas: alguns amedrontados, atônicos sem nenhum plano de ação; alguns almejando vantagens financeiras no desvio de recursos públicos; alguns banalizando os riscos do contágio e desrespeitando as medidas de prevenção orientadas pela OMS; e outros comprometidos no enfrentamento da doença e sensibilizados com os efeitos devastadores de um inimigo invisível. Diante desse quadro de ações e tomadas de decisões coletivas, constata-se que o combate à pandemia COVID-19 não deve ser encarada apenas como uma responsabilidade da gestão pública, e sim de toda a sociedade civil. 

Entretanto, infelizmente muitas medidas interventivas por parte de determinadas lideranças foram vistas, por muitas pessoas, como autoritarismo político, não levando em consideração os aspectos sociais e econômicos de parte da população que durante o isolamento social vêm enfrentando dificuldades financeiras diante da queda da renda familiar, do desemprego, do impedimento do mercado informal, das perdas inesperadas de entes mantenedores das famílias, do  endividamento com as instituições financeiras, dos transtornos psicológicos e mentais. Apesar de todo este impacto social/emocional e dos apontamentos críticos dos envolvidos, as medidas são necessárias na tentativa de minimizar os danos e assegurar a sobrevivência humana.

O cenário atual exige a união de todos, empatia, solidariedade, ações multilaterais visando um comportamento cívico, adotado por uma conduta saudável e segura. Infelizmente nós seres humanos somos excepcionalmente inteligentes e ao mesmo tempo delimitados em racionalizar, o que nos leva a questionar as determinações das autoridades em saúde pública, ou até mesmo, descumpri-las com desobediência e desrespeito às restrições. Tais atitudes propiciadas por impulsos emocionais do “eu” que visa somente a satisfação do seu prazer pessoal.

Este processo dual, origina uma dicotomia entre razão e emoção favorecendo o desequilíbrio psíquico. Ninguém nasce com a habilidade de se auto-regular, ela é uma aquisição adquirida pela maturidade social de agir corretamente seguindo as leis fixadas por uma hierarquia empenhada no bem da coletividade. Tomar consciência das dificuldades do momento caótico vivenciado e da sua responsabilidade coletiva, oportuniza uma sociedade menos egoísta, mais humanista, desconfigurando as imagens de vítimas e culpados, e reconfigurando a de agentes transformadores.

É importante cultivarmos os sentimentos de esperança e confiança de que esse transtorno social trágico vai passar, o futuro não pode ser encarado como um problema de consciência individual ou somente da administração pública. Portanto, não devemos contribuir com a disseminação de discursos adoecedores, tais como, o de recuperar o tempo perdido, alcançando o máximo de produtividade laboral ou de lazer, gerando mais tensão, ansiedade e insegurança. Agora mais do que nunca é tempo de pensarmos em acolhimento, de cuidado consigo e com o outro, de reinvenção pessoal/profissional, de aprendizado. O momento vigente nos descortina uma excelente oportunidade de sermos melhores como seres humanos e mais fortes como nação! Ecoado pelo nosso espírito altruísta e solidificado pela solidariedade como cidadãos. 

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