Pandemia e a educação por meio digital: A falta de estrutura, o stress de pais e alunos e o aumento da carga de trabalho, causam desgastes físicos e emocionais aos professores

*Renata Ferraz. Psicóloga Clínica

Ser profissional do ensino na sociedade contemporânea não é tarefa fácil, visto que existem muitos fatores que influenciam no exercício profissional docente desde sua formação até a sua constituição. A complexidade em “ser professor” tem início desde seu processo de escolha, uma vez que infelizmente, muitos se baseiam em preceitos superficiais, como: ter letra bonita, gostar de estudar, gostar de crianças, ter paciência, gostar de ler, ter amplo mercado de trabalho, ter mais opções de acesso às faculdades, entre outros.

Entretanto, ser professor transcende os limites do “ter” ou “gostar”, são necessárias inúmeras concepções internas, ou seja, é preciso “SER”. Já a constituição profissional da identidade “ser professor” excede o desenvolvimento cognitivo, não basta apenas uma bagagem intelectual formada de conhecimentos científicos em diversas áreas, mas é essencial o uso efetivo de habilidades socioemocionais demandadas pelo investimento energético afetivo em estabelecer relações interpessoais: professor x alunos, pais, equipe gestora e outros colaboradores.

Estas relações estabelecidas por estes profissionais têm o poder de produzir um impacto relevante sobre o futuro de cada indivíduo, assim como da sociedade em geral. Desse modo, pode-se considerar o professor como um profissional reflexivo, avaliando e adequando constantemente suas abordagens técnicas-funcionais a um potencial humano provido de sentimentos que vão muito além do ato de ensinar.

Assim, com esta concepção de um profissional humanista, não cabe mais a atitude autoritária do século passado no qual o professor era um mero reprodutor de conhecimento. Esta postura foi reconstruída e reorganizada com significados existenciais que ampliam a capacidade de cada um na condução e projeção de um futuro melhor, advindos de uma sociedade mais justa e reflexiva sobre suas problemáticas frente ao entendimento de seu papel social no mundo.

Compromissados com a formação e o desenvolvimento social dos alunos, muitos docentes estão se reinventando diante das mudanças significativas que a educação vem apresentando por causa do Covid-19. Manter a saúde mental defronte ao cenário caótico vivenciado é um enorme desafio, visto que não há como controlar cada detalhe do processo pedagógico além dos muros da escola. Portanto, torna-se necessário a reflexão de sua prática profissional, reformulando novas alternativas para o envolvimento e motivação dos alunos mesmo a distância.

Encontrar um “novo” modelo para o “velho” planejamento pedagógico adequando as aulas, materiais e atividades para o atual formato do “não presencial” é trabalhoso, mas garante uma educação não excludente. Muitas tecnologias estão sendo utilizadas como recursos educacionais, favorecendo aos envolvidos menos estresses no processo de ensinar e aprender. Contudo, muitos professores se veem confrontados e pressionados a dominar estas plataformas digitais, mesmo tendo inúmeras dificuldades com o seu manejo.

Outros desafios a serem superados são: a falta de infraestrutura para aulas à distância motivado pela instabilidade da rede de muitos provedores de internet; a falta de tempo e de preparo das famílias dos alunos para mediar a realização das atividades propostas; cobrança de conteúdo curricular em um curto espaço de tempo; o aumento do volume de trabalho; áudios intermináveis com queixas de pais estressados com os filhos e a escola; algumas limitações para propor atividades lúdicas; carência de recursos financeiros para a aquisição dispositivos, como computadores e celulares, que atendam a necessidade e qualidade do trabalho remoto.

É notório o desgaste físico e mental de muitos professores neste período de pandemia, pois as aulas remotas exigem um preparo maior devido suas diversidades. As mesmas são gravadas, ao vivo na plataforma virtual, síncrona, assíncrona, dentre outras. Não bastando somente a competência e comprometimento do docente para a preparação das atividades, soma-se a este contexto, a imposição da instituição para comprovar a realização do registro de seu exercício laboral, fazendo relatórios, preenchendo ficha, salvando fotos, conferindo presenças de frequências, reuniões e capacitações on-line, dentre muitas outras atribuições.

O esgotamento físico, sofrimento psíquico, o adoecimento pelo contágio do Coronavírus e suas sequelas, como a perda de familiares e amigos, são fatores que geram pressões internas capazes de comprometer o estado de saúde mental, originando transtornos e distúrbios clínicos emocionais leves, moderados e/ou severos de depressão, burnout, síndrome do pânico e ansiedade generalizada. Todavia, mesmo expostos ou pressionados muitos professores seguem fazendo seu dever com louvor, haja vista que continuam engajados e preocupados com a construção ética e responsável de seus alunos como agentes transformadores da sociedade no qual estão inseridos.

Apesar de todos os desafios vivenciados em sua trajetória profissional, “ser professor” é ser resiliente por natureza e por mais dificuldades que encontre, se recusar a desistir, perseverar confiante de que somente seremos um país melhor se valorizarmos o acesso democrático e inclusivo de toda população a uma educação crítica e de qualidade, além de reconhecermos positivamente a importância do seu papel em formar cidadãos conscientes.

 

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