O amor nos tempos de pandemia

*Márcio Augusto Alves – Procurador de Justiça

O título deste pequeno artigo já aponta que nossa inspiração para escrevê-lo parte da obra de Gabriel Garcia Marques, o famoso ‘O amor nos tempos do cólera’, livro que narra uma surpreendente história de renúncia e prova de amor de um homem extremamente apaixonado por uma mulher casada e, ainda assim, foi capaz de esperá-la por uma vida inteira.

Ontem, eu e todos nós, creio, fomos surpreendidos com a postagem nas redes sociais do Procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Laja-Jato, anunciando sua renúncia ao Ministério Público Federal, a fim de seguir outros caminhos em sua vida profissional, especialmente porque a sanha dos nossos parlamentares para enfraquecer a atuação do Ministério Público brasileiro tem sido a tônica nos últimos anos, especialmente depois da Operação Lava-Jato ter revelado a todos aquilo que há muito já sabíamos: que nosso rico e poderoso Brasil é o ‘local perfeito’ para se desviar recursos públicos, enriquecendo os pobres de espírito.

Ao tomar conhecimento da renúncia de Deltan, imediatamente me veio à cabeça algumas coisas: a palavra ‘amor’ desinteressado, em seu sentido mais puro e desapegado das coisas e de bens. Paralelamente também pensei na palavra ‘coragem’, em seu sentido de que somente homens verdadeiramente apaixonados pela causa pública podem exercê-la com altivez. Coragem não é para qualquer um; coragem é somente para os vencedores!!! E também pensei na pintura de Caspar Friedrich, ‘O Viajante sobre o Mar de Névoa’, que retrata um homem solitário parado diante de um precipício, representando a poderosa solidão de um líder e a sua capacidade visionária à frente de um abismo, sem sentir medo algum.

A coragem é a antítese do medo, aquilo que nos aprisiona e não nos faz vencer nas mais diversas atividades da vida do homem comum. A vida, sabemos, é feita de ousadia e de prudência, também, e a escolha entre a ousadia e a prudência requer do homem discernimento para escolher a hora de tomar a decisão certa para cada ocasião. 

Muitos de nós temos o corpo físico aparentemente forte, mas nossa força espiritual e mental é de uma fraqueza perceptível, pois o homem vive sua vida ordinária como um ser desintegrado e desinteressado do contexto fático que gira ao seu redor.

Foi o próprio Gabriel Garcia Marques quem disse: “Um homem só tem o direito de olhar outro de cima para baixo se for para ajudá-lo”.

Certa vez tive um breve contato com o Deltan. Foi quando estava organizando o primeiro e único hackfest do Ministério Público do Amapá. Fiz-lhe um convite, ainda informal, para dar ‘luz’ ao nosso evento. Ele, no alto de sua gentileza e humildade, destacou que infelizmente os dias do evento estavam coincidindo com a data de nascimento de um de seus filhos e, por isso, ele precisaria estar próximo de sua esposa.

Nesse meio tempo, a operação Lava Jato foi desmontada, a Lei de Improbidade Administrativa sofreu mudanças que abalarão negativamente no porvir, ainda mais, a defesa do patrimônio público; e o nosso Congresso Nacional tentou e está tentando, a todo custo, aprovar uma PEC (PEC 05) que gerará intensa interferência política no Conselho Nacional do Ministério Público, ou seja, o Ministério Público brasileiro, reconhecidamente uma das instituições mais valorosas na luta contra a corrupção e o crime organizado, poderá vir a se tornar num ‘fantoche’ nas mãos de pessoas totalmente sem compromisso com o nosso Brasil e o nosso povo.

A renúncia de Deltan é uma inspiração para muitos que ainda guardam o medo dentro de si, abrindo mão de uma carreira promissora e da elite cultural do nosso sistema jurídico, para um mundo desconhecido, regado de pretensões exclusivamente pessoais e sem qualquer compromisso com a nossa sociedade.

O ato de renúncia pereceu-me um ato de amor pela reconstrução de nossa integridade social, desses que, diferente de Juvenal à espera por Daza, em ‘O Amor nos Tempos do Cólera’, nos mostra que o tempo, hoje, é de mudança e de enfrentamento por um país mais limpo, justo, ético e integro.

Nosso país só está assim porque não tivemos, todos nós, a coragem e o amor de Deltan, de mudar o seu destino, revolucionando nosso pensamento, erradicando totalmente a tirania do medo e as emoções negativas de nossas vidas.

Ele foi e sempre será um vencedor, pois sonha alto com a erradicação da desigualdade social em nosso país, com uma justiça que atenda aos anseios de uma população não encarcerada, mas livre das amarras dos programas sociais que só se alimentam dos recursos públicos e cada vez mais desviam verbas para finalidades privadas.

Espero que o futuro lhe reserve vitórias expressivas ao lado de sua família e de seus sonhos pelo fim da impunidade, da prisão em segunda instância, da prisão dos que desviaram recursos públicos e de uma sociedade fortalecida não por programas sociais, mas por vitórias pessoais de cada cidadão brasileiro!

MÁRCIO AUGUSTO ALVES

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