Infidelidade Conjugal: Difícil esconder em tempos de pandemia. A dor da descoberta e a escolha entre o fim ou o fortalecimento da relação

*Renata Ferraz. Psicóloga Clínica

A infidelidade conjugal é mais comum do que se imagina e não é algo relativamente ligado à “modernidade”, uma vez que está presente desde sempre no construto social e, por conseguinte, no familiar. Segundo a teoria evolutiva, a propensão dos seres do gênero masculino serem mais promíscuos teria sido influenciada pela necessidade de espalhar as suas “sementes” e propagar sua espécie. Por outro lado, os seres do gênero feminino seriam motivados pela busca de parceiros com qualidades genéticas que pudessem garantir uma prole saudável. Assim, nossos ancestrais, no reino animal, visavam um aumento na variação genética da sua linhagem e um “sucessor”, no caso de perda de companheiro, que garantisse a continuação da sua casta, assim como o fornecimento de comida, abrigo e proteção.

Com o passar do tempo, várias concepções teóricas psicossociais foram sendo propostas para explicar a infidelidade, mas todas variam de acordo com a cultura ou acordos sociais pré-estabelecidos. Na cultura ocidental tendemos a significar a infidelidade como a violação de regras e limites acordados previamente em um relacionamento, podendo representar a ruptura de qualquer compromisso que tenhamos assumido livremente e que, por esta circunstância, foi desfeito.

Embora a traição ainda seja um tabu e um assunto nada agradável na nossa sociedade, principalmente para quem já passou por essa experiência ou até mesmo para pessoas que temem passar por ela, é indispensável inteirar-se sobre alguns aspectos patológicos individuais de personalidade e suas limitações existenciais, almejando o controle dos impulsos primitivos compulsivos prazerosos que geram uma “falsa” satisfação do “EU” e a necessidade doentia de autoafirmação.

Motivações internas não faltam para explicar o porquê da infidelidade, tais como: reforçamento de ego, insatisfação com a qualidade da relação vivenciada, insegurança afetiva, compulsão sexual, reprodução apreendida com o(s) genitor(es), vingança, a excitação que a situação desperta, modelos familiares de relações afetivas disfuncionais, dentre outros. Enganam-se em afirmar que quem ama não trai, visto que não existem regras sobre o que é a traição em uma relação afetiva, bem como, as estatísticas sobre quem é mais propenso a trair, se homens ou mulheres, uma vez que ambos funcionam de maneira distinta quando o assunto são as suas emoções.

Culturalmente, proveniente do machismo estrutural ao qual estão formadas a maioria das sociedades patriarcais, os homens que são infiéis, o são, porque sentem a necessidade de constantemente reafirmar sua virilidade (masculinidade) e para isso não basta somente experienciar, é preciso mostrar-se viril em seu grupo. Em contrapartida, as mulheres que são infiéis, o são, porque via de regra, visam preencher lacunas emocionais.

Independente dos agentes motivadores, o fato é que somos desde sempre moldados a criar grandes expectativas em uma relação afetiva, principalmente do outro, uma vez que projetamos nele uma imagem ideal que satisfaça nossas carências afetivas. Entretanto ninguém é obrigado a cumprir as expectativas demandadas por outros, e ao criar o pensamento ilusório de achar que se pode mudar alguém só trará sofrimentos psíquicos, frustações e conflitos significativos que atrapalham o gerenciamento do convívio a dois.

Os relacionamentos afetivos, assim como as demais relações interpessoais, passam por um momento difícil por conta da pandemia do Coronavírus. A hiperconvivência, a mudança radical da rotina familiar, a falta da vida social e da prática de esportes, a sobrecarga do teletrabalho, dentre outros, evidenciam e potencializam as falhas da relação conjugal. Dentre elas está inclusa a infidelidade, já que é complicado manter segredo quando se convive 24 horas. A descoberta da infidelidade acarreta um dano emocional e comprometimento a saúde mental, visto que os sentimentos de negação e falta geram uma tristeza profunda, além de dúvidas e incertezas latentes que atormentam e maltratam os pensamentos devido a ruptura brusca da confiança.

A traição é uma perda, e assim como o luto, há um processo de pesar que precisa ser elaborado para poder seguir em frente. Conversar sobre a infidelidade não é fácil, para ambos os lados, mas é com o diálogo que se amplia a possibilidade de um entendimento e uma solução. É natural o sentimento confuso de querer ou não continuar; se irão ou não transpor esse momento de conflito. Neste estágio a terapia de casal pode ser um auxílio muito valioso para que as dores sejam trabalhadas da forma correta, e que o casal consiga compreender juntos o que aconteceu e identificar o que cada um realmente deseja.

Ao contrário do que muitos pensam “ninguém trai sozinho” já que muitos conflitos, que são inerentes a um casal, podem motivar a traição, mesmo que ambas as partes tenham participação no real ensejo que levou a ela. O ato da infidelidade é sempre de responsabilidade única e exclusiva daquele que atraiçoou, ou seja, o ato de trair é definitivamente uma escolha pessoal.

Apesar de dolorosa e de parecer paradoxal, em muitas relações conjugais a infidelidade pode acabar sendo uma oportunidade de crescimento para o casal ao avaliar de forma madura e consciente suas insatisfações e frustações no relacionamento, construindo conversas francas que levam uma maturidade conjugal e um restabelecimento no resgate da confiança perdida. Sendo assim, nem sempre a infidelidade precisa ser o fim e nem representar o insucesso e a falência de uma relação.

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