Empecilho para autoconhecimento: Necessidades artificiais e escolhas afetivas disfuncionais

*Renata Ferraz. Psicóloga Clínica 

O seres humanos possuem algumas necessidades físicas e emocionais que precisam ser satisfeitas para que possamos vivenciar momentos plenos de contentamento e felicidade. Desta forma, quando não conseguimos satisfazê-los sentimos uma espécie de vazio emocional, como se houvesse um “vazio interior” para ser preenchido em nosso “eu” interior. Com o intuito de validar uma certa “completude do eu”, saímos a procura desenfreada de algo que ainda não temos, mas nos sentimos na necessidade premente de aquisição. Assim, passamos a levantar algumas hipóteses sobre que precisamos conquistar para nos satisfazer plenamente, e por isso nos jogamos em busca de bens materiais, viagens, capacitações profissionais, promoções no trabalho, relacionamentos afetivos entre outros bens que sirvam como compensações emocionais para nossas carências.

Contudo, na maioria das vezes, mesmo após preencher o vazio existencial, com o que almejamos, a felicidade que vivenciamos com a conquista é menor do que imaginamos e não raramente momentânea. Essa espécie de realização é muito inferior ao que imaginávamos que fossemos sentir enquanto estávamos na fase da euforia para sua concretização. Portanto, é importante que identifiquemos nossas reais necessidades para que possamos realizar uma jornada pessoal na construção do autoconhecimento, reconhecendo a real felicidade em cada momento vivido e não a considerando como algo sempre inalcançável ou como plenitude de vida.

Quando pensamos no nosso conceito subjetivo de felicidade dentro das relações afetivas, avaliamos quais seriam nossas verdadeiras necessidades? A carência, medo da solidão, a idade avançada, o desamparo emocional, a cobrança de externos e/ou simplesmente o fato de querer amar e se sentir amado… Seja qual for a verdade, infelizmente acabamos criando necessidades por carecer da validação das pessoas do nosso entorno. Relacionar-se com alguém não deve ser uma obrigação, para que nos livremos de cobranças ou nos enquadremos em estereótipos normatizados pela sociedade. Apenas para responder questionamentos do tipo: “cadê seu namorado/a?”; “quando vocês vão casar?”; “Vocês não vão ter filhos nunca?”.

Quando consideramos nossas relações afetivas baseadas nessas necessidades artificiais e não em reais motivações internas, inevitavelmente geramos frustações pessoais, e por mais que sejamos conscientes de que não somos obrigados a “estar ou ficar com alguém”, inconscientemente essa pressão externa nos afeta emocionalmente.

Devemos desta forma, considerar que a felicidade não está no “status de relacionamento” que se aparenta ao meio social, uma vez que o estado civil em um documento ou a relação a dois vazia de afeto não garantem o bem-estar psicossocial. Então, é importante não fazermos escolhas sobre as pessoas a quem iremos devotar nosso afeto sem observar, analisar e/ou selecionar suas funcionalidades como agentes agregadores de fatores positivos em nossas vidas. Adotar tal atitude, evita a sucessão de frustrações amorosas. A impulsividade na escolha de uma relação afetiva corrobora para um relacionamento patológico disfuncional acarretando sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos. 

Disfarçados de amor, companheiros tóxicos destroem o nosso equilíbrio emocional, percorrendo desde o julgamento à manipulação, do ciúme exacerbado ao conflito, da falta de respeito às cobranças, do mando à agressão física e muitos outros comportamentos patológicos ligados aos relacionamentos abusivos. Nunca se relacione com promessas e perspectivas de felicidade eterna, até porque todo relacionamento é construído por duas pessoas imperfeitas que se esforçam para abandonar o seu egocentrismo, substituindo-o pelo altruísmo. Caso ao contrário, o impulso de querer mudar o parceiro, tentando alterar características de sua personalidade para que se encaixe em seus moldes de uma relação ideal, pode desencadear um desejo maníaco de possessão.

Acreditar que o amor muda o outro aumenta o sentimento de possessividade. Uma vez que ambos passam a considerar o parceiro como se fosse uma espécie de propriedade particular, instaurando em uma relação, que deveria ser cercada de afeto e carinho, monitoramentos excessivos, comportamentos de violência física, psicológica, patrimonial, etc. 

Quando observamos esse cenário a partir da perspectiva de uma convivência e intimidade forçadas, oriundas da pandemia da COVID-19, percebemos que alguns casais optaram por enfrentar a reclusão juntos, potencializando os seus “verdadeiros eus”, visto que a identidade real dos envolvidos são reveladas no confinamento. A possibilidade de fiscalizar o parceiro 24 horas por dia controlando sua vida, intensifica as patologias disfuncionais, desencadeando no outro insatisfações amorosas experienciadas pelo relacionamento abusivo e doentio.

Por todos estes aspectos pertinentes às relações afetivas e íntimas saudáveis entre casais é vital compreendermos que o amor não deve trazer consigo sofrimento físico e psíquico, desmistificando o modelo “ideal” do “real” afetivo. Adotar esta concepção evita sentimentos tóxicos associados às falsas expectativas de felicidade plena. Não estacione na dor! Portanto, não delegue seu bem-estar ou coloque suas necessidades em prol do coração de alguém. A felicidade não depende do que nos falta e sim do bom uso do que temos, uma vez que ela é propriedade sua e não está na sua vida por causa do outro.

A relação afetiva é uma “edificação” que exige logística de duas visões diferentes com variáveis e imprevisibilidades para construção, já que podem apresentar falhas em seus alicerces. Não havendo manutenções para que sejam feitos os consertos necessários, melhor cancelar o andamento do “projeto”, evitando assim possíveis desmoronamentos psíquicos. Terminar um relacionamento é doloroso, mas aprender a finalizar uma relação doentia é lição de vida. Dizer adeus e colocar um ponto final em um relacionamento que não agrega valores positivos em nossas vidas é a certeza de um recomeço, uma oportunidade de seguir em frente.

Caso não consigamos fazer isso de maneira saudável e sem traumas emocionais, não devemos nos sentir envergonhados ou incapazes. Para isso é adequado buscarmos ajuda profissional especializada, pois com certeza a psicoterapia irá auxiliar no processo de fortalecimento emocional, promovendo segurança na tomada de decisões e o apoio para transição de sua ressignificação na vida pessoal e afetiva.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *