Defesas psicológicas postas à prova na pandemia. Emoção, medo e a visão holística da saúde: O pensamento cria sentimentos no corpo

*Renata Ferraz – Psicóloga Clínica 

Considerando que as emoções trazem significados e conexões para nossa vida, porque ninguém nunca nos explicou como lidar com elas, controlá-las ou até mesmo mudá-las? Talvez não sejamos conscientes de tudo que sentimos, pois ao longo do nosso cotidiano e dos anos, vivenciamos e experenciamos inúmeras emoções sem nos darmos conta. Aprender a identificar desde cedo as emoções e as suas intensidades, expressas nos sentimentos vivenciados, ajuda-nos na construção do autoconhecimento e na resolutividade de alguma situação-problema.

As emoções são fundamentais para nossa sobrevivência, bem como para o desenvolvimento psíquico e social. São instrumentos importantes em um processo de aprendizagem no qual se constrói nossa visão de mundo, visto que cada experiência, sendo boa ou ruim, deixa em nós uma marca indelével. É um grande erro reprimir e/ou suprimir nossas emoções, recalcando o sentimento vivido no subconsciente o que pode desencadear alterações, tanto físicas, quanto mentais.

Quando há acúmulo de sentimentos reprimidos e dificuldade de elaborar e ressignificar as emoções, o organismo entra em desequilíbrio, resultando em um processo de adoecimento com somatizações físicas oriundas de sofrimentos emocionais experienciados. A visão holística de saúde abrange a dependência emocional e física, haja vista que nossos pensamentos criam sentimentos no corpo, transformando essas emoções em manifestações físicas (psicossomatização). Com isso, ideias negativas advindas de pensamentos mórbidos tendem a eclodir medo e propagam pânico diante das incertezas, originando possíveis distúrbios psíquicos e transtornos mentais. 

O medo, cuja função emocional é de preservação frente a uma situação de perigo, nos adverte e nos prepara para agir em defesa própria. Mas quando, o mesmo, provoca uma reação de bloqueio ou até de negação, que impossibilita a mobilização de uma ação adequada, acaba tendo um efeito emocional desorganizador, podendo levar ao desenvolvimento de sintomatologias psicossomáticas graves, que resultem em limitações e comprometimentos das relações sociais, afetivas e profissionais, afetando a qualidade de vida. Normalmente, para o aparecimento do medo é necessário um estímulo que provoque ansiedade e insegurança no indivíduo. Entretanto, em determinadas situações, o medo pode ser despertado a partir de uma ideia desagradável que causa em nós incômodos geradores de ansiedades.

No atual cenário de pandemia em que se encontra o mundo, o medo se tornou um sentimento frequente, uma vez que o coronavírus com iminente contágio e elevado número de mortalidade nos leva a seguir, quase obrigatoriamente, as orientações recomendadas pelos especialistas e órgãos da saúde, motivados pelo temor de contrair ou contaminar pessoas com uma doença até então totalmente desconhecida para a comunidade médica e científica. A iminência da contaminação por um vírus desconhecido origina em algumas pessoas medos excessivos que desencadeiam obsessões por limpeza e higiene, como forma de aliviar a tensão e desconfortos emocionais ou o total isolamento social, acarretando atitudes antissociais e de reclusão compulsiva. 

Estamos em um momento difícil, no qual nossas defesas psicológicas estão sendo colocadas à prova, podendo não dar conta da manutenção do nosso bem-estar. Mudanças bruscas de rotinas diárias em casa, no trabalho e nos relacionamentos familiares; reclusão do convívio social; proximidade da morte; incerteza sobre a vida e o endividamento financeiro são fatores que maximizam a dimensão real de problema que já é marcado por muito estresse e adoecimentos físicos e psíquicos. 

Os danos decorrentes da pandemia pela COVID-19, tais como: a superlotação dos hospitais, falta de leitos específicos de UTI, respiradores, e outras ocorrências evidenciadas em larga escala nas mídias sociais e nos meios de comunicação, mostram a fragilidade da nossa saúde, tanto na esfera pública quanto privada, aumentando na população em geral o receio de não conseguir os cuidados adequados necessários. E o fato de muitos acometidos pelo vírus terem diferenciado quadros sintomáticos: alguns apresentam sintomas leves, alguns mais graves e outros totalmente assintomáticos, não garantem a estabilidade, recuperação e as sequelas resultantes do quadro clínico.

Devido o alcance global, o medo se espalha rapidamente, podendo até levar pessoas a desenvolverem sintomas da doença mesmo não tendo sido infectados, fazendo-os acreditar que contraíram o coronavírus, apresentando sintomatologias psicossomáticas de: taquicardia, falta de ar, distúrbios gástricos, insônia, ansiedade, inquietação, tensão, preocupação excessiva com a transmissão ou com contágio de terceiros. Neste contexto deflagrado pelo pavor, constam ainda os indivíduos infectados, que apesar de recuperados, apresentam medo e sofrimento emocional com os danos causados pela doença. 

Nesse cenário é preciso compreender que vencemos o medo quando trabalhamos a nossa inteligência emocional a favor da razão, ou seja, racionalizando o pânico através de diálogos internos, buscando desenvolver o hábito de não o alimentar. Deve-se perceber que sofrer silenciosamente nunca é a melhor alternativa. Os sintomas precisam ser observados e respeitados por suas limitações, pois não se deve esperar que o descontrole físico e/ou emocional ocorra para buscar ajuda profissional especializada.

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