Debate – Macapá está piorando ou melhorando nos últimos anos?

 

Por Daniel Chaves 

A auto-avaliação sempre foi e sempre será um enorme desafio para os gestores públicos. Afinal, por mais que tenhamos uma ampla experiência social e institucional com os famosos indicadores de desempenho – quanto, até que ponto, em que proporção, com qual média, etc – no mundo da política, não é tão simples lidar com a subjetividade da opinião sobre a gestão da coisa pública. Não é menos importante mencionar que bom desempenho técnico nem sempre representa popularidade em alta: a sociologia já trabalha há mais de uma centena de anos com conceitos importantes como carisma, liderança, autoridade, representatividade. Com o advento da comunicação digital em rede – as onipresentes redes sociais – a opinião pública recebe de forma espontânea ou induzida, bem ou mal intencionada, diversas correntes e ventanias que fazem com que a construção da imagem política seja um processo complexo, delicado e por vezes imprevisível. As eleições da década passada, Brasil afora, estão aí para dizer isso.


No Amapá, obviamente, e em especial na nossa capital, a coisa não foge muito desta situação, e com a hipertrofia do papel das instituições e burocracias públicas no cotidiano, resulta que as trincheiras da opinião são bem povoadas. O feeling é algo importante na mitologia política amapaense, e eu não tiro a razão, não. Esta sociedade macapaense, que sempre foi heterogênea, opina muito e gosta muito de discutir política; o que, claro, é extremamente salutar, pois se há uma guardiã da democracia, é a boa e velha cidadania em participação popular. Foi participando e nos sentindo pertencentes à cidadania que superamos os mais repressivos momentos da nossa História.

Então, para sermos menos intuitivos e mais assertivos – ou seja, sairmos do “acho que”, o que pode ser fatal para planejadores, executores e avaliadores de políticas públicas – nós podemos fazer um belo exercício de inteligência ao analisar dados em série, ou seja, situar como as diferentes gestões se comportaram em desempenho, em números objetivos. Não é que eles não mintam como alguns dizem, mas, a informação estruturada e impessoal ajuda muito a olharmos para o que acontece de forma pouco emocional e mais racional. Nem sempre é fácil, pois o Brasil ainda precisa caminhar e muito na transparência da informação pública, mas felizmente a mesma época que torna a comunicação digital tão difícil faz dela tão rica em acessibilidade às informações.

A esfera das redes sociais, em especial nos períodos eleitorais, pega fogo: e sem dúvida quem termina uma gestão é avaliado/a de forma feroz, sem misericórdia, pela opinião pública. E a pergunta que dá o nome a este debate foi extensamente debatida por parte da nossa opinião pública para saber se realmente Macapá avançou ou não nos últimos anos em termos de mudança nos segmentos estratégicos para a melhoria de vida da população, bem maior da coisa pública. Acabamos de sair de eleições onde, paradoxalmente, o sucessor de Clecio Luis (sem partido) não venceu as eleições, ainda que recentes pesquisas de opinião [2]coloquem o nosso último prefeito como muito bem avaliado, chegando a impressionantes 70% de avaliação. Essa avaliação seria, para muitos (e eu pessoalmente concordo), um indicador sobre a qualidade da gestão que durou 8 anos na condução do nosso último alcaide. Mas, como nem tudo é tão pacífico no debate público, a Macroplan, uma empresa de consultoria sobre cenários e planejamento estratégico, com longa experiência e reputada credibilidade, entrega sistematicamente um painel de informação chamado “Desafio dos Municípios”, que é nada mais nada menos que uma análise comparativa da evolução dos 100 maiores municípios brasileiros.

E aí importa muito olharmos como Macapá, que é um desses 100 maiores, acabou sendo avaliada através de indicadores que constituem o Índice dos Desafios da Gestão Municipal (IDGM) [3], que é um referencial bastante aceitável para uma boa discussão sobre como anda a nossa capital morena. Já dou logo o spoiler: nesse índice, está em centésimo lugar, logo abaixo de Porto Velho (RO), Duque de Caxias (RJ), Belém e Ananindeua (PA). Segundo o sumário da Macroplan, “Macapá está na 100ª melhor posição entre os 100 maiores municípios do Brasil no ranking do Índice dos Desafios da Gestão Municipal (IDGM). O município perdeu 3 posições na década e manteve a posição na comparação com o último ano. Entre as quatro áreas analisadas, Macapá teve sua melhor posição em Segurança: 92ª posição. A posição nas outras áreas foi: 95ª em Saúde, 97ª em Saneamento e Sustentabilidade e 99ª em Educação. Na última década, a cidade melhorou sua posição no ranking em nenhuma área, e perdeu posições em 4 áreas: Educação (-17 posições); Saúde (-5 posições); Segurança (-32 posições); e Saneamento e Sustentabilidade (-2 posições).”.

Então tecnicamente Macapá piorou? Bem, a linha d’água da narrativa e dos números poderia nos levar a crer que sim numa leitura de livro só pela capa. Mas, vamos olhar novamente e atentamente para as quatro dimensões analisadas pela Macroplan: Educação, Saúde, Segurança e Saneamento. O legal é que está tudo público: eu, você que me lê e qualquer pessoa pode ir lá e checar a veracidade [4]. Aí vamos realmente olhar com a lente ajustada. E como não estamos em ano eleitoral, fazer isso agora é um exercício bem mais suave, não é?

Na educação, o desempenho municipal de Macapá no Indice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), tanto no Fundamental I quanto no II da rede pública tem sido positivo e está em tendência de alta, tanto nas taxas de aprovação quanto nota média na Prova Brasil. Na avaliação do MEC, perante esse indicador, estamos melhorando, sim. Além disso, a razão entre matrículas em creche e o número de crianças de 0 a 3 anos não apresenta padrão decrescente, enquanto a razão entre matrículas na pré-escola e o número de crianças de 4 a 5 anos têm sido ampliada desde 2012. Assim, se o IDGM da Macroplan colocava Macapá, em Educação, em um coeficiente de 0,337 pontos no ano de 2009, hoje, 2021, coloca em 0,423.

Água não deveria ser um problema no Amapá, com tanta abundância fluvial e pluvial, mas é. Em termos de saneamento, a coleta de resíduos domiciliares saiu de uma taxa de cobertura de 88% em 2009 para 97% em 2019 – em alguns momentos (2013-2015) o padrão macapaense esteve inclusive acima da média dos 100+ do país. A proporção da população com coleta de resíduos, por exemplo, aumentou em 20% desde 2011. A coleta de esgoto também aumentou, ainda que a situação seja historicamente perversa: de aproximadamente 25.000 pessoas (2009) para 55.000 pessoas (2019). O índice de atendimento de coleta de esgoto saiu de 8% para 11%. O tratamento do esgoto também foi aprimorado, com um crescimento consecutivo de volume de esgoto tratado desde 2014 (1960 para 2726), apresentando números melhores que os de 2011 (1902). Nosso desperdício de água está também em queda (38,3% em 2012 para 35,8% em 2019) e o volume de perdas também está caindo. No entanto, aumentou percentualmente a população sem atendimento de abastecimento de água, o que é um problema histórico do Estado, indubitavelmente.

A saúde tem apresentado números pouco oscilantes com relação à mortalidade infantil, com uma regressão substantiva de 2009 para cá: saímos de 25,4 mortes por 1000 nascidos vivos para 20,6 nos últimos números. Nacionalmente, essa mesma taxa caiu muito menos, de 13,8 para 12. Pensando o reverso – a proporção de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal – cresceu de 31,8% em 2009 para 41,8% em 2019. Onde Macapá surpreende é na taxa de cobertura das equipes de atenção básica: enquanto a média dos 100+ deslocou-se de 51,4% para 61,1%, Macapá saiu de 79,8% para 86,7%, com um pico de 100% de cobertura em 2014.

Os números da segurança pública continuam sendo absolutamente impressionantes: nossa taxa de homicídios por 100 mil habitantes é muito superior à média nacional (41,7 amapaenses contra 20,1 dos 100+) e o número de homicídios disparou de 2009 (115) para os mais recentes de 2019 (237). Os números da Macroplan nos dizem, com base no DataSUS, que esmagadoramente morrem homens  (96,2%) negros ou pardos (98,3%), jovens (72%) e por armas de fogo (67,5%). Se há, na segurança, alguma boa notícia – é difícil dizer isso no nosso país em termos de segurança pública – ela vem da taxa de óbitos no trânsito: saímos de 25,8 mortos por 100 mil habitantes em 2011 para 10,3 em 2019, nivelando-nos com a média dos 100+ (18,1 em 2011, 10,1 em 2019).

Se outras informações novas surgirem, vamos a elas: informação importa e muito, enriquecendo o debate. Estamos abaixo do que poderíamos estar? Sim. Estamos abaixo do que outras cidades da mesma proporção estão? Sim. Mas lembremos que trata-se de uma década (2008-2018) de profunda crise econômica, social, política e até mesmo institucional no nosso Brasil. Ao julgarmos a história de algo ou alguém, sempre vale a máxima: julguemos pelo possível, pois é mais justo que julgar pelo impossível. Sob o ponto de vista destes indicadores, dizer que retrocedemos como cidade, penso eu, é exagero. Comparada consigo mesma, Macapá não está piorando, mas sim enfrentando os problemas que todo o país está enfrentando, sem exceção em diferentes regiões, estados e cidades.

Historiador, Professor do quadro permanente da Universidade Federal do Amapá e Especialista em gestão estratégica da Inovação para o desenvolvimento regional. Contato: [email protected]

[2]https://g1.globo.com/ap/amapa/eleicoes/2020/noticia/2020/12/18/pesquisa-ibope-veja-avaliacao-de-clecio-luis-waldez-e-bolsonaro-em-macapa-em-17-de-dezembro.ghtml

[3]https://www.desafiosdosmunicipios.com.br/ranking_geral.php

[4]https://www.desafiosdosmunicipios.com.br/resultados.php?nome_municipio=Macap%C3%A1&cod_ibge=160030

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