COLOSSO CINZENTO’S MARCIAL BAND

Por Cléo Farias de Araújo, advogado e ex-integrantes da Banda do C.A

 

De meados dos anos 60, até 1985 o Brasil Viveu o regime de governo militar. Esse era um período em que as coisas estavam sempre em polvorosa. A guerra fria entre a Águia e o Urso era o termômetro do mundo e quem possuía um radio Transglobe e “pegava” a Voz da América, ficava sabendo mais rapidamente do sabor das coisas da política mundial. Tal rivalidade entre as duas maiores potências do planeta emprestava seu gosto amargo a outros lugares e coisas. Aqui no Amapá, então possessão do Governo Federal, com um crachá de Território, sentia-se essa instabilidade. Estudantes eram frequentemente “convidados” pelo General Luiz Mendes da Silva a se reunirem para aulas de “moral e civismo”. As diversões eram poucas. Mas, em compensação era uma terra tranqüila.

Mas meu enfoque prende-se a uma atividade prazerosa, a música, que existe pra embelezar e ficar pra sempre na mente e nos corações de quem experimentou essa sensação. Tratemos aqui, porém, do triênio 73 a 75, período em que eu concluí o ginasial no IETA e, sem a intenção de ingressar no curso pedagógico e, por conseguinte, ser Professor, me transferi para o Colégio Amapaense, a fim de cursar o Colegial.

No ano de 1973, logo de cara, encontrei colegas de infância e fiz outras amizades que se estendem até hoje. Ali, conheci um time de primeira, como Risaldo Amaral, Geraldo Pinto, filho da grande parteira Arcângela, Ricardo Soares, Roberto Paiva e o Leonam (Manoel, ao contrário). Eu e esses amigos fizemos uma amizade tão sólida, que serviu de base para tantas investidas na vida.

Sabendo que eu tocava numa banda, esses amigos me convenceram a entrar para a banda do Colégio. Lembro que o Risaldo (que portava como crachá, o fato de ser filho da inigualável Mestra Risalva Amaral), chegou dizendo:

─ Tu terás a oportunidade de participar da banda marcial do Colosso Cinzento!

Eu, que sempre fui “Piramutaba”, indaguei o que significava aquilo.

A turma, em coro, respondeu:

─ Colosso Cinzento é o nome dado ao prédio (é assim que denominavam as grandes construções) da nossa escola. Colosso, porque sua dimensão é colossal; cinzento, porque sempre será pintado na cor cinza!

A partir dali, passei a fazer parte do seletíssimo time de ritmistas da mais famosa banda marcial que o Amapá já teve conhecimento. Aquele time possuía, além dos alunos acima citados, os decanos: Mazagão, Anselmo Ramos (Major), os irmãos Alex e Roberto Houat, Lourival Filho, o Palhinha, Róbson Sá, Zezinho da CEA, Zé Maria Oliveira e alguns que a memória traça planos pra que eu só lembre depois. Pra lá também tive o prazer de levar um tarolista de peso: o grande baterista Orlando Moreira, conhecido como Gogô. Ele, por seu turno, levou seu irmão Moreira. Sob a direção do Sr. Pedro Oldemir Barbosa, inspetor de alunos, pude experimentar, desde os ensaios, um misto de empenho, seriedade, honestidade, coleguismo, solidariedade, bom paternalismo, dentre outros sentimentos.

Durante minha estadia no CA, soube que gente da maestria de Aloísio Cantuária, Orivaldo Souza, o Cerol, Paulão do Atabaque, Jorge “Jujuba” Amaral, Alcione Cavalcante, Reinaldo Soeiro, etc. haviam ajudado a construir o nome da banda colossal. Os calouros, ao pegar num tambor, eram assim advertidos pelos mais experientes:

─ Cuidado, tu estás pegando no tambor que foi usado pelo Cerol. Não vai fazer vergonha!

Muita gente queria participar da banda do CA, mas nem todos tinham pendores artísticos. Ali só entrava quem fosse avaliado pelo mestre da banda, que, após um crivo de qualidade, decidia se o aluno participaria ou não do rol de ritmistas. Ele não admitia atrasos e só em casos devidamente justificados, dava outra chance ao faltoso, pois aquele trabalho era de total dedicação. Do contrário, a banda não manteria seu honroso nome e não arrancaria aplausos por onde passasse.

Nossos ensaios eram regados a muito humor e alegria. Quem era da banda, de certa forma, possuía prestígio junto aos demais colegas, posto que éramos nós que ditávamos o ritmo dos ensaios e desfile na semana da pátria. Se alguém saia da cadência, apressando o andamento da banda, o Mestre Pedro Oldemir proferia sua famosa frase:

─ Não açuléra, FDP!

Dia de ensaio era uma festa. Primeiro, porque driblávamos os inspetores Roxinho, Caranguejo e Abiguar. Depois, porque, após aquecermos as peles dos tambores com fogo de jornal, éramos convidados pelo Palhinha ou Major, a fazer roda de samba, em volume baixo, evitando despertar a fera do Mestre Pedro. A festa também tinha a ver com as aulas terminarem mais cedo. Naquele tempo de trânsito traquilo, saíamos pela cidade, marchando e tocando. Quando sabíamos que havia outra banda ensaiando, procurávamos nos “encontrar casualmente”. Ali era “trançada a caruçuda” de ritmos. E, como nossa equipe era mais experiente, sempre levávamos a melhor. Era como se houvesse um imaginário troféu em jogo, moldado em honra e vigor. O ápice dos ensaios e desfiles era dar a virada, comandada pelo “Pai da Malhada” (bumbo), principalmente fazendo o caracol. Errar a virada era uma vergonha sem par. Quem não acertava, levava um samba, que consistia em passar num corredor polonês e receber os “afagos” dos colegas.

Chamávamos de “Pai da Malhada” ao bumbo, primeiramente, por ser o maior tambor dentre todos e, em segundo lugar, porque, naquela época, os instrumentos de percussão que usávamos eram revestidos de couro de animal, principalmente de bovinos. Pouco tempo depois é que Macapá conheceu as peles de nílon.

A véspera de cada desfile era um caso a parte. Após todos serem afinados pelo chefe da colossal, o tambor que tocávamos nos era confiado, para guarda, vigilância e assepsia. Cada um queria que seu instrumento brilhasse mais que os dos outros. Os uniformes tinham que estar impecavelmente limpos e engomados (lembram disso?) e os sapatos e polainas nos trinques. O bom paternalismo de Mestre Pedro Barbosa, consistia em ser compreensivo com os problemas dos jovens e, nos casos de pobreza de membros da banda, providenciar, junto à direção, sem alarde, o uniforme do aluno. Isso pouca gente ficava sabendo. Eu mesmo fui beneficiado, em 1973, com a bondade de nosso Mestre.

Nos desfiles de 7 e 13 de setembro, ritmista porre era descartado. Houve um caso, em 1975, que Mestre Pedro, com um canivete, furou o tambor do cachaceiro, tamanha a raiva do Mestre pela irresponsabilidade do aluno. Quando a gente via alguém chegar “tocado pela mardita”, levávamos o indigitado à torneira atrás da escola. Alguém corria na casa do Major, que ficava próximo, para pegar um café amargo e enfiar no bucho do porre, ajudando-o a recuperar os sentidos. O Historiador Aloísio Cantuária, em documento recente, revelou o local da outra torneira muito usada em casos de embriaguês de ritmistas: ficava atrás da antiga Divisão de Educação.

Nas paradas escolares, cada aluno participante recebia um cartão, carimbado e assinado pelo diretor da escola. Aquele era o nosso passaporte para entrarmos no próximo dia de aula. Se alguém perdia o cartão, só ingressava na escola se algum professor atestasse ter visto o perdilhão no desfile.

E vinha o desfile. Peito pra frente, cabeça levantada e o alarido da multidão aplaudindo sua escola preferida e vaiando as outras. Aquilo nos dava um frio na barriga e um arrepio e tremor por todo o corpo. Ali, passo a passo, estávamos contando a história da nossa escola, a história musical da nossa vida estudantil. Aquelas emoções se encravaram em nossas vidas pra sempre. Quem viu, sabe.

Várias histórias estão bem vivas na cabeça do povo. Este é apenas um passeio de minha vida pelo Colégio Amapaense. Muitas pessoas que passaram por lá, como alunos, mestres e pessoal de apoio, certamente, contribuirão com a história educacional amapaense, com o peculiar orgulho de ter feito parte da família colossal.

Aqui, fica uma pergunta: Sabem agora quem é Pedro Oldemir Barbosa?

 

  • Puxa, Cléo. Estou lendo aqui voltando no tempo! Você não imagina a emoção que as bandas do Colosso Cinzento e dos Bonecos de Anil causavam nas alunas também, eheheh!
    Nosso saudoso Batintim.! Ele era fera mesmo (no bom sentido) e tinha muito pulso com os alunos. Quanto às bandas, é uma grande pena que não existam mais. É lamentável mesmo. Sabemos que a música transforma a alma e ajuda a formar a personalidade. Seria salutar e estratégico criar uma banda em cada escola, ou incluir a música no currículo das escolas, você concorda? Gostaria de saber se alguns dos ex-integrantes da banda do Colosso Cinzento já se reuniram para dar aquela afinada nos tambores depois de tanto tempo. Seria imperdível uma reunião dessas! Um abraço.

    • Obrigado, Veneide, pelas palavras. Sempre encontro com o Geraldo, Palhinha,Cerol e outros. Também mantenho contato blogueiro co o Mestre Aloísio Cantuária. Sobre ex-integrantes se reunirem para tocar, há outra história que pretendo contar, desse mesmo grupo, que, em 1976, após se apresentar no CA, já como ex-alunos, não foram aceitos. o jeito foi sair pelo Coaracy Nunes, cujo diretor Bento Gés nos recebeu de braços abertos e carta branca.

    • Veneide,
      Tentei enviar várias vezes uma mensagem pra você pelo seu blog e não consegui. Beijos pra você! Gostaria de ter notícias de todos vocês . Vocês são meus amigos mais antigos. Saudade.

      • Olá Robson! Que prazer! Como vão vocês, seus pais, sua irmã Robsônia? Para escrever no comentário de meu blog vc pode clicar na opção anônimo e assinar seu nome no final do comentário. Envio-lhe meu e-mail: [email protected]
        um forte abraço

        • Oi Veneide!
          Me dá notícias do Aluízio. (teu irmão),
          conhecido no Campus da UFPA como “cara vermelha”.

          • Oi Domênico! Agora que li teu comentario: o Aluizio reside em MCP, tem 3 filhos adultos e continua com a cara vermelha, rsrsrs. Onde andas, amigo? E a Emilia?

  • Meu Deus, que saudade, que texto maravilhoso, me fez voltar pra sala de aula, com o Osvaldo Simôes,Paulo Sérgio Bezerra, Adaury Farias,Armando Rogerio, Marcio Façanha…….

  • Parabéns pelo texto, Dá vontade de ter paraticipado de tudo isso.
    Certamente é desse amor que os estudantes de hoje precisam.

  • CLÉO, GOSTO MUITO DA FORMA COMO VOCÊ COLOCA SUAS AS LEMBRANÇAS. SÃO TÃO VIVAS QUE EU CHEGO, MESMO SEM CONHECER ALGUNS INTEGRANTES DA HISTÓRIA, A TER A IMPRESSÃO DE TER PRESENCIADO O FATO E VISUALIZAR AS CENAS.CONTINUE A FAZER DAS SUAS LEMBRANÇAS A ESPERANÇA DE BOAS HISTÓRIAS E BOAS RISADAS TAMBÉM.PARABÉNS

  • Meu Caro Cleo, doces lembranças, saúdo o saudoso mestre Batintin. Comecei batendo surdo, passei pela caixa de guerra e foi uma longa e árdua trajetória até botar a mão em um tarol e ser tarolista da banda do CA. A glória! Até hoje quando vejo um instrumento desses quero dar umas baquetadas. Obrigado pela lembrança e parabéns pela forma suave e cordial com que você escreve.

    • êh, Robson! Éramos felizes e sabíamos, hein? Ajudamos a fazer essa história do nosso CA. E você também estava lá. Que sorte a nossa!

    • Dona Alcilene, parabéns por divulgar a história de nissas escolas. o texto em questão retrata como era aquele tempo, onde os professores eram respeitados e os alunos sabiam se colocar no seu lugar de aprendiz. Mas hoje…

  • Que saudades!!!
    Tive o prazer de fazer parte desta maravilhosa Banda nos anos 1970 a 1972.
    Um grande abraço a todos os “garapa azeda”.

    • Ola, Domênico! Como vai? repondendo a sua pergunta sobre o Aluizio, ele continua em MCP e tem 3 filhos adultos ainda estudantes. E continua com a cara vermelha, rsrs. abs

  • Muito boa a história acerca das bandas que as escolas mantinham antigamente. Hoje em dia vemos somente reunião de grêmios estudantis com caráter político. Sendo que a música anima a alma de quem escuta e encoraja aquele que toca.Parabéns pelo artigo.

  • Oi, Cléo.
    Lí, viajei um pouco no túnel do tempo, e fiquei matutando sobre o que dizer. Já faz tempo, mas nem parece. As lembranças boas sempre permanecem, revividas de vez em quando nos teclados de um computador as imagens apenas adormecidas.
    Parabéns pelo texto. Refere-se a um período, mas tem uma abrangência maior ao evocar outras situações, porque a história da Banda Marcial do CA, de seus ex-componentes e dos demais ex-alunos está vinculada a um período atribulado mas que não nos impedia de sonhar e, principalmente, viver. E como, dentro das limitações da época nós vivemos, hoje nós estamos aqui pra dizer que, emprestando os versos de Roberto Carlos, “se chorei ou se sorrí, o importante é que emoções eu viví”.
    Um abraço de um ex-“Garapa Azeda”

    • Aloísio, Aloísio… É incrível como um sentimento puxa outros. A foto anterior que a Alcilene postou, me levou a uma curiosidade: todos o chamavam pelo apelido, mas pouca gente se importou em aprender o nome de batismo do Mestre da banda. Como vivi as emoções de participar da história da Colossal, senti-me no dever de escrever algo. Claro que nossa banda não teria sido a melhor se não contasse com pessoas do teu quilate. Recebam, você e outros participantes da banda do C.A., estes escritos como uma pequena homenagem.

    • Mestre Aloísio, sorri muito e chorei, mas de alegria. Tenho certeza que este também foi o teu caso e de outros componentes da Colossal. Sei que você fez muito mais história (literalmente) que eu. Esta crônica é uma tímida homenagem Às pessoas do teu quilate. Obrigado, Mestres!

  • Oi pai, adorei o artigo, como vemos hoje comos os valores se perderam, onde o lugar ocupado com uma atividade salutar como música é substituido pelos politiquieros grêmios estudantis. Parabéns pelo artigo.

  • Boa Cléo. Que belo texto e ótimas lembranças. Vc é mesmo um CRAQUE. O Pedro Oldemir Barbosa, o Batintin, além de comandar a banda, também foi jogador de futebol,árbitro, chefe escoteiro, goleiro de futebol de salão e um excelente amigo. Parabéns do fã sapiranga

    • Mestre Milton, vindo de você… é uma singular honra. Realmente, o Batintin possui um curriculo ímpar, pois, em tudo o que fez, sempre se saiu muito bem. Coisas do tempo em que a moral e os bons costumes figuravam em nossas vidas, vindo de nossos ancestrais. Seu eterno aluno nã cansa de ler as tuas crônicas: páginas cuja arte verte de um mestre das letras. Obrigado!

  • Grande Cleo, valeu pela qualidade do texto e pela lembranças de temas e de coisas de priscas eras (como dizem os advogados). Parabens. Vale também para a gente “rever” através de textos nos comentários tanta gente com as quais convivemos, como é o caso do grande Lulu Cantuária (falta o Tadeu entrar ns blogosfera).

    • Oi, Paulo. É verdade que as lembranças ajudam a reviver coisas boas. No caso em questão, os blogs da Alcinéa e da Alcilene me proporcionaram reaver amizades e retomar contatos. Fico feliz que você gostou desta crônica. Falta escrevermos sobre as peripécias do bairro do Trem. Vamos nessa?

  • Deixa eu enxugar as lágrimas… e desfazer o nó na garganta. Que coisa companheiro! Lembrar dos áureos tempos da banda colossal. De mestre Batintim, um abnegado que suava sangue pelo CA. Mais que todos, ele era um grande garapa azeda. Um abraço no coração de nossos garapas azedas.

    • É, companheiro… O Mestre Batintin é da boa cepa. Daqueles mestres com amor à profissão, não ao contra-cheque. Tivemos a felicidade de aprendermos com um insigne professor.

  • Muito bom ler esse texto e reavivar a minha memória em relação a Banda Marcial do CA, onde estudei de 1975-1977. Realmente eu ia comentar isso que a Veneide já comentou, sobre o alvoroço que os meninos da banda provocavam nas meninas. hehehe
    Eu adorava ir ver os ensaios da banda, tinha vontade de tocar tarol, acho que minha amiga Socorro Alcantara o fazia ( por sinal , desde quando mulheres fizeram parte da banda?) . Não sei se sonhei, mas tenho na minha memória uma lembrança de ter ido a um ensaio, querendo bater tarol, mas me ofereceram o bumbo, só porque eu era alta! nao aceitei, amarelei!

  • Égua, me dá até um “arripio” relembrar todos esses momentos que passei pela banda do CA (anos 70). Fiz muito pela banda, desenhava algumas das “fardas” para o 13 de setembro, pintava tambores, “batia” tarol, etc. Parabéns “pra” todos nós que pasamos pela banda marcial do CA.
    Diniz (http://dinizbotelho.blogspot.com/)

  • Sou filho do mestre BATINTIN. O CA ficou na história, gostava de ver a galera correndo para assistir os ensaios da banda, era sensacional.
    Ele relata sempre esses momentos alucinantes vividos por todos voces.

  • Que memória linda, tive a honra de fazer parte dessa banda marcial e a minha saudosa mãe guardou alguns uniformes que eu usei quando toquei caixa e tarol por lá. Mestre Batitin, sempre Alerta. Cléo USIMA Araújo, Zoti e outros mais. Grêmio Rui Barbosa e CA, muitas memórias e saudades. Li agora há pouco pq estava escrevendo no face algumas memórias sobre o Grêmio Literário Rui Barbosa e ví esse texto maravilhoso da Alcilene, parabéns.

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