Bibliotecas, livros e memórias às traças

*Marco Chagas – Professor do programa de pós-graduação da Unifap

“Enfim, ele se embrenhou tanto na leitura que passava as noites lendo até clarear e os dias até escurecer; e assim, por dormir pouco e ler muito, secou-lhe o cérebro da maneira que veio a perder o juízo. Sua imaginação se encheu de tudo aquilo que lia nos livros…” Assim Miguel de Cervantes apresenta Dom Quixote, uma das obras mais conhecidas e lidas no mundo. O genial Adriano Suassuna tinha pelo grande autor espanhol do século 17 uma admiração quase obsessiva. E eu também… Quantas vezes ao longo da vida duelamos com moinhos de vento?

Dom Quixote estava lá na estante do pequeno quarto da Avenida General Gurjão, 428, no Bairro Alto. Eu dormia numa rede encostado àquela velha estante cheia de livros,que imagino de propriedade de minha tia, Professora Carmem Chagas, a mulher que encarou o poderoso ex-presidente José Sarney em sua primeira eleição ao Senado pelo Amapá.

Entre uma e outra embalada na rede puxava um livro da estante. Isso me ajudava a esquecer do calor e do zumbido dos carapanãs. Mas, o significado daquela biblioteca foi muito maior. Li quase toda a obra de Machado de Assis. Lembro bem de “Memórias Póstumas de Brás Cubas, que meus filhos Amanda e Lucas também leram com entusiasmo. “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas; “Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne, que de certa forma me influenciou a estudar geologia. São memórias de leituras que me moldaram.

Outro dia, o Professor da Universidade de Brasília, José Augusto Drummond, autor de “O Amapá nos Tempos do Manganês”, me pediu uma informação e sugeriu que poderia encontrar na biblioteca da SEPLAN. Disse-lhe que a biblioteca não existe mais. A biblioteca da SEPLAN foi a principal fonte de pesquisa de Drummond na elaboração de sua tese de doutorado, defendida na Universidade de Wisconsin, Madison, EUA, em 1999. Drummond lamentou com um “sinto muito”.

Há poucos dias fui fazer a doação de uns livros para a biblioteca da SEMA. A biblioteca não existe mais. Bateu uma tristeza, quase uma revolta. Essa biblioteca era a única especializada em meio ambiente do Amapá e recebeu o nome do geólogo Ademir Coutinho. Foi estruturada pelo Secretário Antonio Carlos Farias e contou com apoio financeiro do PPG7, programa ambiental coordenado pelo engenheiro florestal Alcione Cavalcante, filho do poeta AlcyAraújo. Na parte operacional, a biblioteca foi organizada com muita competência pelo técnico Paulo Figueira.

Soube também que a biblioteca especializada do RURAP está às traças. Essa biblioteca tinha digitais da Maria de Lourdes Dias Façanha, mulher pioneira na estruturação de bibliotecas no Amapá.

Parece que existe um entendimento em destinar os acervos especializados das instituições públicas do Amapá para a Biblioteca Pública Elcy Lacerda. Menos mal, mas pelo descaso com o acervo da biblioteca da SEPLAN deixo aqui registrado meu protesto pelo fim da “Biblioteca Ambiental Ademir Coutinho”.

  • Divido do mesmo sentimento que o autor.
    Sou fpessoa e profissional sou fruto de dedicação de pessoas através de livros, projetos e sonhos de muitos autores, inclusive, do próprio doutor Marco Chagas. Tenho inúmeras capacitações realizada pela Biblioteca da SEMA. O Amapá é um estado verde com um norral sem igual de autores que se dedicaram nos registros bibliográficos e é repudiante ver isso tudo sendo desvalorizado. Triste realidade!!!

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