A multidão colorida do Círio

Dom Pedro José Conti,

Bispo da Diocese de Macapá

O que sempre chama a atenção no Círio é o povo que participa. Aos milhares. Tantas pessoas, de toda idade, cor e jeito. Todos tão misturados que parece impossível distingui-los uns dos outros. Uma massa absolutamente anônima, sem rosto. Quem vai saber o que pensa e sente todo aquele povo? Impossível conhecer a situação e as motivações que trouxeram cada um e cada uma para aquele momento. Sentimentos e fé são profundamente pessoais, estão guardados no coração de cada um. Somente os conhecemos se a pessoa decide nos contar a sua história. Mas como? A quem contaria e quem lhe daria ouvido naquele momento? Impossível no meio daquela multidão colorida.

O que é impossível para os homens, porém, não é impossível para Deus. Cada pessoa que está lá, cantando e rezando, sabe que Alguém a escuta. Aos olhos bondosos do Senhor ninguém é sem nome e sem rosto. Ele conhece todos os seus filhos e filhas. Ele nos conhece muito mais e muito melhor do que nós mesmos. O seu olhar é de amor e para quem ama de verdade o outro é sempre importante, único, inconfundível.

E Maria? Nós gostamos de chamá-la de mãe e por isso nos sentimos também um pouco como o Menino que ela tem no colo, naquela pequena imagem de Nossa Senhora de Nazaré que carregamos no Círio. Somos todos filhos, todos iguais e ao mesmo tempo diferentes. Cada mãe conhece, ao menos um pouco, os segredos de cada filho ou filha.  Pode acertar bastante daquilo que eles sentem, pensam e sonham.  Para as mães cada filho é um filho. Cada filha é igual e diferente ao mesmo tempo. Assim deve ser para Nossa Senhora, desde o dia em que Jesus, o seu único Filho, do alto da cruz, a entregou ao apóstolo João dizendo: – Eis a tua mãe. – Isto depois de ter dito também a Maria: – Mulher, eis o teu filho. –  Uma nova mãe para um novo filho. Uma mãe para todos os filhos de Deus. Para nós também.

Com estas reflexões gosto de imaginar um pouco as orações e os pedidos dos milhares de pessoas que participam do Círio. Estou convencido que cada um dos que estão lá, por distraído ou afastado que seja, em algum momento faz um pedido, arrisca uma oração. Talvez peça algo que não teve coragem de dizer a ninguém, nem à mãe, ao pai, ao esposo ou a esposa que está ao seu lado. Mas a Maria ele tem força para pedir. Pode ser uma angústia, uma aflição, um desejo, talvez algo que os outros achariam ridículo. Com Nossa Senhora é diferente, ele se sente bem. Pode falar, pode pedir. Maria, não vai julgá-lo, não vai rir dele, não vai contar nada para ninguém. Ao contrário, vai ajudar, tem certeza.

Penso nos pedidos das crianças, dos jovens, dos pais e das mães. Daqueles com filhos pequenos ou adolescentes, preocupados com o futuro deles. Dos pais e das mães com filhos drogados, chorando esperançosos. Penso também nas orações de carinho e revolta, às vezes, das crianças e dos jovens que sofrem com alguém que sempre volta para casa bêbado e agressivo. Dos filhos que estão longe dos seus pais. E vice versa. Penso nas preocupações dos desempregados, dos pobres, sem o dinheiro do ônibus para voltar para casa. Penso nas orações dos doentes, daqueles e daquelas que estão preparando-se para uma cirurgia ou aos quais foi diagnosticada uma grave doença. Eles pedem saúde, esperança, força para lutar.

Imagino também as palavras de agradecimento daqueles e daquelas que acreditam na graça alcançada, que estão pagando uma promessa feita. Vieram para agradecer, pela vida, pelo trabalho conseguido, pela paz do coração. Nesta altura, porém, vou parar. Não dou conta de imaginar mais nada e nem quero.

Seria muito bom se, no Círio, nos sentíssemos todos pequenos e necessitados. Vamos deixar que a humildade de Maria cale a nossa arrogância. Que a confiança dela no amor de Deus silencie a nossa auto-suficiência. Que a obediência dela vença o nosso orgulho.

No Círio ninguém deve ter medo ou vergonha de manifestar a sua fé. Se for sincera, ninguém voltará para casa igual. Novos sentimentos habitarão no seu coração.

Pedimos que sejam sentimentos de paz, de bem, de perdão e de fraternidade para todos. Estamos precisando. – Dai-nos a bênção, ó Mãe de fé, Nossa Senhora de Nazaré -.

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