2020, o ano da pandemia. Criar nova simbologia para o luto, para a saudade e homenagens aos que amamos

*Renata Ferraz. Psicóloga Clínica

A sabedoria popular diz que no dia de finados o céu fica meio nublado, a temperatura diminui, a chuva cai em sinal de luto e tristeza pela partida de tantos queridos. Não é fácil dizer adeus e superar a dor da partida de alguém que fez parte de nossa história, que participou de momentos especiais em nossas vidas, visto que a angústia da saudade desencadeia o sentimento de impotência, desamparo emocional e sofrimento psíquico intenso. 

O pesar invade o coração, a ferida aberta que não sara no peito potencializa a infelicidade de continuar, frente a uma realidade aversiva de dor pela perda vivida. Tudo parece não fazer mais sentido, até as recordações especiais compartilhadas de datas festivas como: aniversários, Natais, Réveillons, entre muitos outros, não têm mais o mesmo “colorido” ou o mesmo desfecho. E quando chega o dia de Finados?  

Para alguns, o dia 2 de novembro seria apenas mais um feriado prolongado, ocasião de encontros afetivos, alívio de estresse semanal, com o intuito de “esfriar a cabeça”. Para outros, seria um bom dia para lembrar tudo, menos da perda de pessoas queridas que já faleceram. Para outros, ainda, um dia meio nostálgico, pois, de certa forma, antecipa a cada ano o que seremos todos um dia. Mas, para muitos, representa um dia de memórias e sentimentos vividos e revividos intensamente, um momento de reflexão, esperança e comunhão com quem amamos e continuamos a amar, apesar de não termos mais a sua presença física neste mundo.

Ir ao cemitério, arrumar o túmulo, trocar as flores, acender velas e fazer orações são formas simbólicas reforçadoras, que nos reconectam afetivamente e corroboram positivamente com o processo de elaboração e aceitação do luto, ajudando o indivíduo a fazer as pazes com a perda.

Entretanto, neste tempo de luto (por causa das milhares de pessoas falecidas vítimas da covid-19) a pandemia muda os planos para o feriado do dia de finados. Há um temor por parte das autoridades de saúde de que a visitação em massa de parentes aos entes queridos acabe gerando aglomerações em torno dos túmulos, favorecendo a disseminação do novo Coronavírus.

O luto é um processo imprescindível e não se trata apenas de superação ou esquecimento, mas de readaptação a uma nova realidade. Vale ressaltar que cada pessoa assimila as perdas sofridas (finitude) de forma diferente, não existe uma regra ou um tempo determinado para elaboração/aceitação do luto (depende muito de características próprias ligadas à personalidade, resiliência e ao tipo e intensidade do trauma). Este não pode ser encarado como um processo linear, pois ocorre de maneira muito particular, independente das crenças religiosas. 

 Por isso, celebrar (in memória) os entes, faz muito sentido no dia de finados, porém com os cemitérios fechados, a celebração fica comprometida, originando um mal-estar emocional natural. No entanto, estas limitações devem ser encaradas também sentimentalmente, como uma medida de proteção e segurança a quem amamos e que estão entre nós. Afinal, cuidar dos que estão vivos é tão importante quanto respeitar a ausência dos que já faleceram.

É um momento de aprendermos a ressignificar a perda, por isso é essencial que compreendamos que as pessoas falecidas que amamos não estão somente simbolicamente representadas por um jazigo ou em uma urna funerária, mas sim por todas as lembranças que elas deixaram impressas em nossos corações. Desta maneira, podemos “visitá-las”, não apenas na forma física, mas por meio de memórias afetivas significativas, cultivando o amor que ainda se apresenta latente e buscando assim, minimizar a dor e a saudade.

Certamente, nesse ano o dia de finados será bem diferente de tudo que já vivenciamos. Para lidar com essa nova realidade de forma saudável é necessário “criar” novas simbologias, reconfigurar nossas manifestações de sentimentos, emoções e homenagens aos que amamos, externando nossa gratidão pela sua “passagem temporária” significativa que marcou nossa trajetória.

Portanto, hoje faz mais sentindo pensar no luto como um processo adaptativo, sem os rituais socioculturais protetivos que confortam o sofrimento diante o enlutamento. É um caminho longo de busca pessoal, de cultivar a espiritualidade, o seu “eu” interior, oportunizando um novo significado sem perder o “olhar” da despedida de quem se foi. Uma rede afetiva, mesmo que virtual, é a chave para um recomeço, mas quando o suporte desta rede não alcança a compreensão da dor, deve-se buscar a orientação e ajuda profissional especializada.

 

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