AO MESTRE RUI GUILHERME COM CARINHO – 70 ANOS DE VIDA

Por Heraldo Costa – Juiz de Direito

Rui4

“A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces”.
Aristóteles

A primeira vez que o vi foi como Juiz numa reunião de boas vindas aos
primeiros servidores da Justiça do Amapá, Comarca de Santana, em 25 de
abril de 1992, no meio dos quais eu estava.
As inquietações eram muitas, as perguntas também, mas ao final daquela
reunião ele nos deixou uma lição de vida quanto à ansiedade. Disse que
‘não deveríamos nos preocupar tanto com a ponte, antes que chegássemos
nela’.
Os anos passaram e em abril de 1994, já universitário, tive o prazer de
tê-lo como meu professor, na cadeira de introdução ao direito.
Lúcido, eloquente, ávido pelo conhecimento e pelas letras, contista, de
humor perspicaz e de uma cultura vasta, assim é Rui Guilherme de
Vasconcelos Souza Filho.
Rui Guilherme é paraense de Belém, nascido em 18 de março de 1943,
formado em Direito em Belém-PA, cidade onde também foi advogado
militante e professor universitário. Integrante da primeira turma de
Magistrados da Justiça do Estado do Amapá, que tomou posse em 05 de
outubro de 1991.
Já no Amapá como Magistrado, Rui emprestou também seus conhecimentos
como professor para a nascente Universidade Federal do Amapá – Unifap,
tendo sido professor tanto em Belém como em Macapá de uma turma de
profissionais do direito como Advogados, Promotores, Procuradores e
vários colegas juízes.
Como escritor contista,  é membro da Associação Amapaense de Escritores
– APES, publicou Leilani – Relato de uma Obsessão (Romance, 1999), obra
que recebeu o Prêmio Inglês de Souza da Academia Paraense de Letras em
1990; Carta de Amor e de Ódio – e Outras Histórias (Contos, Cejup, 2005)
e teve conto premiado e publicado em antologia da Unifap. No início do
ano passado lançou o conto ‘O Velho’. O escritor Paulo Tarso Barros,
assim define Rui Guilherme no lançamento do último conto: ‘um escritor
perspicaz, talentoso, em pleno domínio do ofício de escrever, que nos
deixa pistas do seu existencial no mundo das letras – uma experiência
bem-sucedida ao lado de nomes consagrados que lhe outorgaram o manancial
imprescindível para quem almeja um lugar no imponderável círculo
literário.’
Assim é o Doutor Rui Guilherme, que sempre soube trafegar com maestria
entre o ambiente sério e carregado dos fóruns, as desafiantes salas de
aula universitárias e as hilárias histórias de seus contos. Assim é Rui,
que sempre soube conduzir sua vida do privado para o público, do público
para o familiar, sempre deixando marcas indeléveis na mente e no coração
daqueles que tiveram o privilégio de conviver com ele.
Lembro-me de uma de suas primeiras aulas em nossa turma de faculdade,
em maio de 1994, por volta das 16h. Ao chegar na turma, deixou seus
materiais didáticos e convidou a todos para que o seguissem. À época, a
UNIFAP se resumia a um prédio da reitoria e um bloco de salas de aula.
Outros blocos e prédios estavam sendo construídos. Andando
apressadamente, ele tomou um caminho ao fundo do bloco de direito e mais
adiante parou e começou a dar aula sobre ‘cultura’. Falou, mostrando um
reino de formiga, que aqueles pequenos seres, embora cavassem e
cortassem folhas, poderiam ficar ali milhares de anos sem modificar nada
do ambiente. Que nós seres humanos somos os grandes fomentadores da
cultura e que podemos com nossas ações mudar tudo para o bem ou para o
mal. Nenhum dos colegas jamais esqueceu essa aula.
Agora, por disposição legal, ao completar 70 anos, Rui Guilherme
encerra a carreira de Magistrado no próximo dia 18.
Creio que num momento como esse, uma série de pensamentos passa pela
sua mente. Seus primeiros passos, a primeira aula, os primeiros
rabiscos, os tombos, os machucados da vida, a adolescência, os estudos,
a faculdade, do início ao fim. A maturidade. Os longos corredores
percorridos como Advogado, o concurso da Magistratura. A primeira
sentença, o primeiro juri. Os caminhos lamacentos percorridos nas
estradas do Amapá, dirigindo a ‘burra velha’*. Enfim, tudo como começou
e que daqui a alguns dias, termina. Mas este concluir não é o fim. É um
recomeço, é um prosseguir, pois uma série de atividades ainda aguardam
por seus valiosos conhecimentos jurídicos e de vida, já que ainda tem
muito a contribuir com a nossa sociedade.
DOUTOR RUI GUILHERME DE VASCONCELOS SOUZA FILHO, meu colega, você
dignificou de maneira impar a magistratura nacional e, mesmo desligado
da judicatura, estarás sempre presente na história da nossa vida e na
história do Amapá, pois como dizia a consagrada poetisa Clarice
Lispector: “o futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente
vivido”.
Parabéns.
Heraldo Costa
*Burra velha: carro oficial – Gurgel – que servia a Comarca de Amapá,
em estado precário.

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