PT e PSB, o coração e a razão

* Job Miranda

Enquanto parceiros de sonho, nas décadas de 1980 e de 1990, PT e PSB escreveram com emoção e beleza importantes páginas da história do Amapá. Geraram o embrião de uma sociedade civil [Sindicatos (dos Urbanitários, dos Trabalhadores Rurais, dos servidores Públicos, etc.), mídia alternativa (jornais), ações políticas com as pastorais da Igreja, práxis de uma pedagogia libertária (em meio a brechas existentes no sistema educacional), e consolidarem firmeza ideológica]. Lideraram as lutas por direitos civis, democráticos e políticos. E, unidos como partidos irmãos, derrotaram o último governador com patente militar: Barcelos.

Em meio a atritos próprios da condição humana, PT e PSB se brindaram com generosidades recíprocas. Em 1990, Gilson Rocha (PT) fora o candidato a governador pelo bloco e quatro anos após fora a vez do PSB, com Capiberibe. Em 1994 o bloco vence a eleição e decreta o fim de um ciclo da história política do Amapá – o de os seus habitantes serem governados por oficiais originários dos quadros da Marinha (de Guerra do Brasil).

No governo, a partir de 1995, o bloco concebeu um projeto de desenvolvimento sustentável para o Estado [do qual a escola Bosque, no Bailique, a unidade de Uiratapuru, em Laranjal, e o Centro de Referência (do projeto – instalações onde funciona hoje a UEAP), em Macapá, são os embriões do modelo]; adotou transparência nas contas públicas e descentralização administrativa na gestão, em especial no setor educacional; e incentivou, com políticas institucionais, o consumo de produtos de origem regional (local) para a geração de emprego e renda e evitar fuga (evasão) de recursos financeiros do Amapá para outros centros.

Mas o esforço dos parceiros (PT/PSB) na tentativa de implementar o modelo de desenvolvimento e de inversão de prioridades não avançou e não se consolidou devido a uma oposição política implacável que reduziu o projeto a apenas uma experiência piloto. No plano local, a representação federal do Amapá, sob a batuta do senador Sarney, boicotou o programa e a gestão (para tal conclusão, basta se verificar a timidez da quantidade de recursos e as destinações dadas a eles) e a Assembléia Legislativa o sabotou, quer com embaraços relacionados ao orçamento público, quer com embaraços à governabilidade (no forjar de uma crise institucional).

No plano nacional, o governo do tucano FHC ignorou o programa de desenvolvimento sustentável do AP, FHC estava nem aí para os programas estaduais onde os gestores eram de oposição; tanto que colaborou somente nas articulações para efetivar acordo de construção da ponte binacional sobre o Rio Oiapoque. No plano internacional, a contracorrente assentava-se na arrogância do que se pretendia discurso único – neoliberal (e de fim da história, na versão fukuyaniana); mas, nesse plano nem tudo era treva, havia algo favorável: a pauta ambiental.

Às condições políticas adversas se somaram um desatino crasso: o divórcio litigioso entre PT e PSB, motivado por uma sanha hegemonicista, a qual se revelara equivoco político monstruoso que culminou com trágica destruição do sonho de destacar o Amapá no mapa mundial como marco do desenvolvimento sustentável, de estruturas e relações econômicas solidárias e de sociedade civil soberana, ativa e articulada. Referido desatino, até hoje, compromete o futuro (que hoje se faz presente) do Amapá e de sua gente.

Não obstante os líderes porem véu sobre os motivos da disputa hegemonicista (e fratricida) no interior bloco, certos fatos foram mais que visíveis: Dalva Figueiredo, no apagar das luzes do primeiro turno da eleição a governador (em 2002), com o fito de assegurar passagem para o segundo turno contra Waldez, apoiou Gilvan Borges ao Senado e, com isso, quase inviabiliza a vitória de Capiberibe nas urnas e, por certo, com aquela atitude, contribuiu para que, mais tarde, o mandato do pessebista sucumbisse – fosse cassado em âmbito judicial.

Por conta do apoio de Dalva a Gilvan, Capiberibe, quando do segundo turno, decidiu o pleito a favor de Waldez Góes ao orientar a base que dirigia a votar e a fazer campanha para o candidato do PDT. Em função de tais fatos, além da cassação do mandato de senador de Capiberibe, têm-se que: Dalva perdeu a eleição de 2002; PT e PSB, até hoje, encontram-se divorciados; o PT abandonou a firmeza ideológica que tinha, nunca mais lançou candidato a governador(a) aos pleitos e, ao que parece, resignou-se em manter os mandatos que detém pagando para tal com a renúncia de chegar de cara própria ao Setentrião; já o PSB vem sofrendo sucessivas derrotas em eleições executivas.

Mais ainda, por conta daquele divórcio, avançam os processos de falência financeira do Estado e de precarização do serviço público. O cofre público está comprometido com dívidas que ultrapassam a monta de um bilhão de reais (quase metade do orçamento anual do Estado), as quais colocam a AMPREV em situação de risco, devido apropriação indébita de cerca de 160 milhões de reais (descontados dos salários e não repassados ao Órgão). Os serviços de saúde e educação antes afetados e precarizados pela má distribuição orçamentária e pela corrupção (de 40 milhões na saúde e de 236 milhões de reais na educação, segundo notícias) agora os serão mais precarizados por má gestão e falta de verbas, o que aponta para um fim morimbondo da administração Pedro Paulo.

Se isto ainda for pouco, PT e PSB podem muito mais, permanecendo apartados. Podem ficar indiferentes à precarização e a falência referidas e a fracassos políticos e/ou destruição mútua. Podem depositar no lixo da história construção política de duas décadas e negar peremptória e levianamente suas próprias histórias. Isso tudo é possível. Enquanto a Harmonia (bloco de partidos que davam sustentação ao governo Waldez) estava coesa, Dalva tinha 100% da história na mão – quer associasse o PT à Harmonia ou à oposição programática decidiria o pleito eleitoral a governador, estava senhora do destino.

Mas, agora que a Harmonia parece explodir e ir pro espaço, em ocorrendo referida  explosão e ainda assim o PT participe de coligação com Pedro Paulo (ou Lucas) como cabeça de chapa, o PSB, por pragmatismo, vai associar-se a Jorge Amanajás, apoiando-o. Segundo o INPSOM Jorge Amanajás é o favorito a um eventual segundo turno; então, se apoiado pelo PSB (partido que influencia em torno de 30% dos votos) tornar-se-ia(á) imbatível. Nessa circunstancia o PT não teria participação no próximo, e ter-se-ia(á) o fim de uma era à oposição de esquerda amapaense, com uma disputa de segundo turno, caso haja, entre dois candidatos de direita, como jamais vista na geografia e em toda a história tucuju.

Seguramente, análises políticas com base em pesquisas revelam que, uma coligação PSB/PT seria imbatível ao Setentrião. Mas para que se efetive uma aliança entre eles o PSB precisa ser atraente: garantir que Dalva e Joel Banha serão reeleitos ou garantir que um deles seja candidato(a) a governador(a), ou garantir vice, na chapa, ao PT (melhor ainda se de Santana), e que o PT apresente um nome ao Senado. Dar, também, garantia de que o partido dos Trabalhadores terá participação muito maior do que tem hoje na administração do Estado, bem assim referente à elaboração do programa de gestão e nas decisões das políticas estratégicas.  Nessa estampa, quem sabe o PT se sensibilize e se una outra vez ao PSB para resgate das esquerdas, quer como as sejam, nas terras tucujus.

Até porque coisa amarrada pelo alto (acordos entre as direções nacionais de PT e PSB), e a contragosto, soa a estupro, e estupro produz efeito colateral à psique, e conseqüências. No mais, tudo é história. História escrita com o coração e que, pôs fim ao ciclo de governos vindos da Marinha, que plantou o embrião de uma sociedade civil e que concebeu um modelo sócio-ambiental de novo patamar civilizatório.  A história é o tempo, e “o tempo é o senhor da razão”.

E o tempo tem sido taxativo em mostrar que PT e PSB só progridem quando estão juntos, tanto que, o PT elegera vice-governadora e dois deputados estaduais e, por dentro do governo PSB/PT, projetou Dalva e Nogueira, na sequência, à Câmara Federal, daí um pulo à prefeitura de Santana (prefeitura relegada ao beleléu, pela Harmonia) quando se associava ao PSB e, este, só elegeu governador quando estava abraçado ao PT. Abraço transformado em pura saudade. Saudade o suficiente pra desejar colocar razão e coração na mesma freqüência do grito do poeta: “… Ainda é tempo de ouvir a voz dos ventos, numa canção que fala muito mais de amor!”.

* Job Miranda tem formação sociológica obtida na Universidade Federal do Pará e graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Santa Catarina

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