Paixão de Cristo relembrada com misticismo e fé em Mazagão Velho

GABRIEL PENHA – ESPECIAL PARA O DIÁRIO

A comunidade de Mazagão Velho – distrito do Município de Mazagão, a cerca de 70 km de Macapá – relembra a Paixão e Morte de Jesus Cristo de forma peculiar: com rituais religiosos cercados de tradição, misticismo e fé. A Sexta-feira Santa ainda é um considerada sagrada para os moradores da localidade. Nesta data, um silêncio quase sepulcral toma conta da vila. Até as imagens de Santos católicos são encobertas desde o Domingo de Ramos, simbolizando o luto da Igreja pela morte de Cristo.

“Por aqui, a Sexta-Feira da Paixão ainda é um dia de guardar o jejum, a penitência e o silêncio”, diz o professor Antônio Pinto, de 38 anos. Os comércios fecham as portas, não se ouve música alta e se vê pouquíssimas pessoas andando pelas ruas durante o dia. Na igreja, já na quinta-feira, uma grande cortina é preta, outro símbolo de luto, é estendida na entrada. As orações e novenas vão até de à tarde do dia seguinte, antecedendo a missa, que começa por volta de 15h. Grupos se revezam noite, madrugada, manhã e tarde adentro para não deixar o clico parar.

BÁLSAMO PARA A ALMA

Durante sete dias, à noite da véspera de sexta-feira acontece a Encomendação das Almas. Diversos grupos, compostos apenas por homens, percorrem pontos da vila entoando cânticos para pedir a Deus, em nome de Cristo, cura para doentes e paz no descanso para os mortos; o ritmo é um híbrido de tristeza e acalanto, verdadeiro bálsamo para a alma.

“Na verdade, são cânticos de solicitude e lamento. Nessas horas, pedimos proteção para os enfermos e paz para o que já se foram”, explica o estudante Genésio Rodrigues da Silva, de 23 anos, que faz parte de um dos grupos. Os cânticos da Encomendação das Almas têm mais de um século de existência e seus autores são desconhecidos. Este ano, a Encomendação foi feita no escuro, devido falta de energia elétrica na vila. Depois da Semana Santa, a cerimônia só vai poder ser vista no dia 2 de novembro (Dia de Finados), durante a iluminação nos dois cemitérios de Mazagão Velho.

MISSA E PROCISSÃO

O silêncio de respeito da Sexta-feira Santa é quebrado pelo som da matraca, que anuncia a missa na igreja Nossa Senhora da Assunção. Nesse momento, o som dos japiins – que fazem ninho nas mangueiras da frente do santuário – divide a atenção com os hinos católicos. A natureza parece conversar com a fé.

A cerimônia tem ritos de missa normal: liturgia, cânticos, comunhão, oferta. A diferença está na adoração a Jesus na cruz. A imagem de Cristo crucificado é colocada diante do Altar e os fiéis fazem reverência, como forma de mostrar respeito e dor com a morte de Nosso Senhor.

Depois da eucaristia, um grupo de crianças surge vestida a caráter. Entre elas, o destaque é para a que representa Verônica, a mulher que venceu o medo, enfrentou soldados romanos e, com um lenço, enxugou o rosto ensanguentado de Jesus a caminho da crucificação.

Começa a procissão. Os homens carregam a imagem de Jesus morto e as mulheres a da Virgem Maria. Durante o percurso, paradas em 14 estações, sendo uma delas a Capela de São Tiago. A moça vestida de Verônica canta hinos em latim. Este ano, quem ficou com o papel foi a mazaganense Amanda Chrystine Madureira Câmara, de 15 anos de idade. “É uma sensação inexplicável”, ela resume.

Depois de a procissão retornar para a igreja, começa a Via Sacra, a lembrança dos caminhos percorridos por Jesus desde traído e preso até a crucificação; tudo dentro da própria igreja. A última parte é a chama Procissão do Silêncio. Desta vez, os homens carregam a imagem da Virgem Maria, numa alusão à procura da mãe de Jesus ao local onde ele fora sepultado. Diversos momentos retratando a religiosidade e a fé do povo mazaganense, trazidas de suas origens africanas.

“Além de fazer parte, temos que passar isso para as futuras gerações, já que a Semana Santa é um momento de profunda reflexão. A morte de Cristo para nos salvar mostrou a paixão Dele por nós. E refletindo, vamos seguir os ensinamentos e os caminhos de Cristo”, argumenta o professor Antônio Pinto. Em Mazagão Velho, o luto pela morte de Jesus Cristo só deixa de ser guardado no sábado, com a leitura e liturgia da Ressurreição de Nosso Senhor. (Agradecimentos: Marco Antônio Ferreira de Melo, Belair Junior e Ramilton Farias)

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