* Ruben Bemerguy. Advogado

Eu não custo à tristeza. Ao menor sinal de dor, inclino-me a ela como único auxílio a minha sobrevivência. Sou assim desde menino. Não recorro a ninguém. Às vezes as lágrimas. Outras vezes aos meus mortos. Com as lágrimas e os meus mortos me sinto seguro e troco palavras que produzem outras lágrimas e outros mortos. Assim me contenho e assim vivo.

 

Outro dia escrevi que nessa vida tive muitas mortes, algumas até atrozes, difíceis de lembrar. Em todas, entretanto, eu estava amando e por isso meu temor em não morrer mais. É que morri no espelho, no escuro do quarto, rés a solidão. Morri no sábado que foi, no domingo que vem, no sopro do rio que morreu no mar eu morri. E tantas foram às vezes em que morri que por aqui pouco se ouviu falar de dor. Morri a morte que dura. A morte que imortaliza.

 

Ontem, dia 15 de novembro, outra vez a meu aviso, emborquei na tristeza. Uma tristeza diferente de todas as outras tristezas com as quais já deitei. Tristeza inclemente que, de profunda que é, assusta a barbárie. Tristeza que financia a dor impagável. Uma tristeza nacional que escuta Quixeramobim e que rasga os Brasis trazendo úmido o meu próprio epitáfio.

 

José Genuíno Guimarães Neto foi preso ao cair da tarde. Preso, feito no Araguaia, porque condenado em um processo judicial cuja conclusão já se adivinhava desde o germinar da acusação, feito no Araguaia. Em casos assim, e já vi muitos idênticos, de nada adianta a riqueza técnica da defesa e também não contribui a prova de que provas para condenar inexistem. Não. É preciso condenar e prender. Isso era e é inexorável, feito no Araguaia.

 

Mais do que a condenação improvada, paralisa-me também o regozijo de alguns com a formatação da prisão. Um funesto gozo coletivo. Parece que a última cena do terror se obriga sem pecados. Dela se exige momentos de tensão. A subida ao cadafalso sob a cobiça dos feixes de luz, os mesmos que iluminaram a condenação, feito no Araguaia. Um majestoso avião onde tilintam metais e pulsos. Uma pequena cela onde jazem móveis não repousáveis, um lavatório torpe para purificar o tempo passado e o tempo futuro, um chuveiro e um vaso sanitário inexistentes. Tudo antecedendo o disparo letal. Feito no Araguaia.

 

Eu não li o processo em que condenado Genuíno e nem penso necessário para sabê-lo inocente. Basta a biografia. A história contada pela história. Minha confiança inabalável na história é suficiente a contar a história aos meus filhos. Se a tristeza me permitir, chamo-os em um canto e canto a história desse verdadeiro brasileiro que organizou, com seus exemplos, muito de meu tratado existencial.

 

Por isso, por muito mais que isso, sou agradecido ao Genuíno. Pressinto que um dia irei encontra-lo, livre como sempre foi e sempre será. Serei íntimo à primeira vista. Vou chamá-lo de Zé. Vou abraça-lo como é próprio entre irmãos. Levarei comigo seu livro biográfico. Devolverei o livro ao dono do livro. Livro que para mim já cumpriu seu papel. Depois volto a Macapá. Ai sim, vou até o rio amazonas, coloco-o embaixo do braço e saio com ele por ai. Vou contar a história do Zé ao rio e, ao fim, dizer ao rio: “Olha, falei com o Zé. E tu não sabes da maior: ele te mandou um abraço”.

    • Raciocino que ficar ao lado de políticos condenados em ações penais pela mais alta corte do país, talvez não seja a melhor posição. Se os apoia não poderás nunca dizer que és diferentes deles.

      • Prezado Max,
        Sua opinião é merecedora de respeito.Digo, entretanto, que no exercício de minha profissão já vi muitas pessoas inocentes e que foram condenadas.
        Agradeço a manifestação.

        • Muitas não, todas!
          Se vc perguntar aos detentos na penitenciária o motivo de estarem lá, o que mais vai ouvir é: “foi em legítima defesa”, “entrei de laranja”, “era pra consumo próprio”, “estava precisando do dinheiro pra comprar medicamentos”…
          Todos inocentes!
          Quanta injustiça!!!

  • Brilhante! só meesmo quem conhece a historia do Brasil, que sabe da historia de resistencia de Genoíno a mais cruel das ditaduras, poderia expressar o sentimento de indignacao, de todos aqueles, que entenderam o “julgamento midiático” do mensalão e, agora lamentam essa desnecessária espetacularizacao das prisoes. Mas fica a pergunta que nao quer calar: por que o mensalao do PSDB mineiro (originado 5 anos antes) ainda nao tem sequer data de votacao no supremo? por que as provas apresentadas por Pizzolato nao foram apensas aos autos? porque a teoria do dominio do fato, utilizada no julgamento, foi questionada sua aplicabilidade, pelo prorio autor, naquele casa especificos? misterios e mistérios. Parabéns Ruben

    • A luta do José Genoino no Araguaia foi na década de 1970, naquela época ele e seus companheiros almejavam a tomada do poder pela força das armas. Quando de fato chegaram ao poder em 2002 pela vontade popular deveriam ter posto em prática o mesmo pensamento de antes, ou estou enganado? Ocorre que de um ponto ao outro existe um lapso temporal onde nem mesmo o Genoíno ou o Dirceu , a exemplo do Lula se lembram. Os valores se foram, restaram as condenações por crimes comuns. Desculpe o meu ponto de vista, ele decorre da percepção de como as esquerdas desse país se comportam.

  • Aviso ao Zé do Mensalão Mineiro, ao Zé das Mãos Limpas, ao Zé da Pororoca, o Zé ladrão e corrupto:
    A Justiça está começando a funcionar neste país. E não adianta tentar se esconder atrás de belas biografias.
    Roubou, tem de ser julgado e mofar na cadeia.

  • Parabéns Ruben. Assino em baixo!…Muitas pessoas precisam entender que o “Direito”, em que pese ser uma ciência, pertence ao campo da ideologia e, essa, sem dúvida, foi a motivação básica para a condenação dos réus do chamado “Mensalão”, em especial, do Zé Dirceu e Genoíno; cujo objetivo maior era atingir o PT e seu projeto vitorioso em favor da esmagadora maioria do povo brasileiro.

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