Tristeza Não Tem Fim
Alcione Cavalcante
Consegui meu objetivo: mostrei que o Carnaval não é uma festa de loucos, mas sim uma das mais sadias manifestações populares. (Villa-Lobos,1941)
O carnaval da Bahia vai gerar 1,8 bilhões em renda, cerca de 250.000 empregos diretos, 450 milhões em impostos estaduais e municipais, cifras elevadíssimas ainda não apuradas em investimentos na rede hoteleira e de outros serviços, inclusive de saúde para atender as demandas da festa. De modo ainda mais veemente soam os números do Rio de Janeiro e do avanço do carnaval de São Paulo, este último, que já vinha em constante evolução quanto ao carnaval da Escolas de Samba surpreende com o exponencial crescimento da festa de rua assumida pelos blocos. Mesmo Belém, onde o carnaval agonizava, vem dando mostras de recuperação de vigor e ensaia reaver o prestigio popular dos anos 80/90, onde destacavam-se a Quem São Eles?, o Rancho Não Posso me Amofiná e a Arco-íris, entre outros.
Enquanto isso nosso Estado estabelece trajetória rigorosamente inversa. Assistimos a festa popular desenhar-se deliberadamente de forma descente em relação ao passado recente, onde esta manifestação de cultura recobria-se de prestígio, evoluía de braços dados com o poder público e a mídia, além de desfilar de forma harmônica e ritmada com grande parte da população, enquanto que outra externava suas paixões nas arquibancadas do Sambódromo.
Hoje não há mais o frenesi benfazejo das expressões de arte popular, concebidas nas mentes dos artistas e nos barracões das escolas, traduzidos na avenidana criatividade e pujança das alegorias. Não mais o rebuliço inventivo dos aderecistas e dos ateliês de cultura. Não mais as reuniões preparatórias das diretorias de harmonia, comandadas por Manoel Torres e Maranhão, Lino e Alemão, Ricardo e Paulo Flecha, entre outras feras. Às vezes necessariamente chatas por tratarem de interpretação de regulamentos, mas sempre resultavam em processo criativos engrandecedores dos desfiles das escolas de samba.
Não mais os belos ensaios e os arroubos perfeccionistas dos mestres de bateria, seus ritmistas, passistas e o encanto generoso da sempre primorosa preparação e apresentação das rainhas de bateria. Que dizer da composição, ensaio e apresentação dos sambas de enredo e a interpretação emocionada e emocionante de seus puxadores? Não mais a preparação secreta da encenação elegante e bela das comissões de frente. Já era a leveza e o fascinante sincronismo que compõem a apresentação dos casais de mestre sala e porta-bandeira. Como não lembrar até mesmo dos churrasquinhos de gato e das caipirinhas caprichadas vendidas durantes os ensaios e eventos das escolas. Recordar ainda os ensaios técnicos, que no caso de Piratas da Batucada era quase e mesma emoção “na vera” do desfile principal.
O frenesi hoje se dá nos aeroportos onde parte da mesma elite local, que responsável pela agonia do carnaval do Amapá, se vangloria de curtir em outras capitais a mesma festa que renega por aqui.
Só para lembrar, mais de 100 microempreendedores individuais atuavam na Levada Zona Sul promovida por Piratas da Batucada na orla do Santa Inês.
Pra usar um mote atual. Estamos de passo errado na marcha da cultura popular.
3 Comentários para "“Tristeza não tem fim”. Alcione Cavalcante sobre o carnaval no Amapá"
Concordo mas, tenho que dizer que parte dessa trajetória inversa tem à ver com a falta de compromisso com o dinheiro público. Vimos durante anos os abusos com falta de prestação de conta da liga e das escolas onde seus representantes deixavam dividas. O momento é de reinventar como vc falou do carnaval de Belém pois, é uma festa porém, com grande movimentação econômica.
Meu preclaro amigo Alcione, cada vez mais lembro e dou razão a Nelson Rodrigues: “os idiotas vão dominar o mundo. E não por sua capacidade, mas por serem maioria.”
Vc abordou com clareza e simplicidade a situação agonizante do carnaval amapaense.
Saudações Cruzmaltinas.
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce à prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo. ” (Bertolt Brecht)