Randolfe na Veja

Senador Randolfe Rodrigues foi isolado e atacado internamente no PSOL por montar uma aliança com o DEM para derrotar o grupo de José Sarney no Amapá: ‘Muitos partidos de esquerda não compreendem a realidade existente nos estados mais periféricos do país’

Gabriel Castro, de Brasília
O senador Randolfe Rodrigues

PSOL NO DIVÃ – O senador Randolfe Rodrigues: ‘Uma coisa que admiro na esquerda é a capacidade de autocrítica. Eu queria que o meu partido exercitasse mais essa capacidade’. (Moreira Mariz/Agência Senado/VEJA)

Dos integrantes do PSOL, o senador Randolfe Rodrigues (AP) ocupa o cargo mais alto: ele é o único senador do partido. Paradoxalmente, está isolado dentro da sigla. Uma das razões foi seu apoio a um candidato do DEM ao Senado na reta final das eleições, numa articulação bem-sucedida para derrotar o grupo de José Sarney. Deu certo. Mas, agora, Randolfe não sabe se tem futuro na sigla. Em entrevista ao site de VEJA, ele aponta erros na condução do PSOL e afirma que muitos partidos de esquerda são excessivamente doutrinários.

O senhor apoiou a candidatura de Davi Alcolumbre, do DEM, ao Senado no Amapá. Vale tudo para derrotar o grupo de José Sarney? Primeiramente, é importante contextualizar o Amapá em nossa disputa com o Sarney e com todos que estão em torno dele. O senador Sarney tem sua base no Amapá desde 1990 e eu sempre fui daqueles que fizeram oposição a ele, mesmo quando estava no PT. E via que uma das formas de derrotá-lo em 2014 era dividir o bloco dos que poderiam estar na órbita dele. Por isso fui um dos incentivadores da candidatura do Davi Alcolumbre. Funcionou. Deu tão certo que a apresentação da candidatura do Davi inviabilizou a possibilidade de Sarney ser candidato ao Senado. O Sarney apresentou uma alternativa, que era a candidatura de Gilvan Borges, para manter alguém sob sua influência no Senado. E a ‘Frente Popular’ apresentou um candidato do PT. Essa candidatura não se consolidou e na reta final da campanha todas as forças progressistas do Amapá centralizaram forças para evitar que o representante de José Sarney se tornasse vencedor.

Por que a candidatura de Davi Alcolumbre era tão importante? Ele é jovem. E, no passado, era da órbita de Sarney. Saindo dessa órbita, ele quebrava o núcleo de forças do próprio campo de Sarney e teria votos mais à esquerda além dos votos do próprio campo em que Sarney outrora dominava. Por isso acabou se tornando a candidatura viável para derotá-lo.

Essa aliança heterodoxa é semelhante à parceria entre PCdoB e PSDB para derrotar o grupo de Sarney no Maranhão? Sem dúvida. Por onde Sarney passa é preciso restaurar a República. É  o caso do Maranhão. No Amapá a gente vive numa luta permanente para restabelecer práticas republicanas. Basta ver o leque de aliados que ele tem no Amapá. Não só são comprometidos com o que há de atrasado, mas também têm ficha criminal. Se juntar todos é um estudo de caso do Código Penal.

Num cenário como esse, as diferenças ideológicas entre DEM e PSOL são irrelevantes? No Amapá e no Maranhão a gente tem que antes de qualquer coisa iniciar a República. No Amapá nós tivemos um retrocesso com a vitória do principal aliado do senador Sarney ao governo (Waldez Góes, do PDT). Nosso desafio permanente é esse, de restabelecer na administração pública práticas republicanas.

A direção do PSOL criticou a aliança do partido no Amapá. Eu acho que muitos partidos de esquerda não compreendem a realidade existente nos estados mais distantes e periféricos do país.

São partidos doutrinários demais? Muitos sim. O que existe, por exemplo, no Amapá são relações pré-mercantis, pré-capitalistas, anteriores à revolução democrática burguesa. Eu tenho a mesma leitura de Flávio Dino no Maranhão. Algumas reigões periféricas têm alguns pactos das elites locais que nós temos que desbravar. Muitos partidos de esquerda ainda não entenderam isso.

Será difícil permanecer no PSOL? Eu tenho esperança de que o meu partido compreenda essas realidades locais. Chico Mendes e Marina Silva, no passado, tiveram muitas dificuldades para que o PT compreendesse o que era o Acre. Demorou muito pra o PT entender o que Chico Mendes e Marina Silva falavam sobre o enfrentamento aos madeireiros no Acre. Em alguns estados mais distantes é necessário instalar práticas mais democráticas no lugar de relações quase feudais.

O senhor está dizendo que é preciso instaurar o capitalismo para depois modificá-lo? Claro. Se nós queremos modificar o capitalismo ou democratizá-lo nós temos que tê-lo. Ele tem que passar a existir.

O senhor vai mudar de partido? Não vou tratar disso agora. Eu vou insistir em dialogar com o PSOL. Recebi uma mensagem do presidente do partido dizendo que queria conversar comigo. Eu quero dialogar. É uma realidade que eu não estou com espaço de diálogo no PSOL. Após ter renunciado à pré-candidatura à Presidência da República ninguém mais quis conversar comigo. A candidata à Presidência (Luciana Genro) me atacou publicamente, os dirigentes e membros da bancada não estabeleceram mais diálogo comigo. Vamos ver o espaço que há.

Não seria natural entrar na Rede, de Marina Silva? O senhor sempre foi simpático à criação do partido. Não é natural porque lamentavelmente a terceira via ficou muito comprometida no Brasil depois do segundo turno das eleições. Fui um dos que defendiam que a Marina não se posicionasse no segundo turno. Como a Marina não ficou na neutralidade e fez uma opção, eu me senti livre para optar pela candidatura de Dilma porque eu preservo muito minhas opções polticas. Sou um homem de esquerda e acho que nós temos que ter coerência com a trajetória política. Acho que a Marina deveria preservar o patrimônio que é a terceira via. Ao optar pela candidatura do Aécio a terceira via no Brasil ficou fragorosamente comprometida.

Mas a decisão dela no segundo turno não é semelhante à do PSOL no Amapá? Acho que não porque no Amapá nós tínhamos um projeto alternativo e no Brasil há espaço para terceira via. No Amapá não: havia necessidade de derrotar uma velha oligarquia. São situações muito diferentes. Ao aproximar-se da candidatura do Aécio Neves o projeto da terceira via acabou tendo um lastro mais conservador.

No Senado, o senhor costuma votar contra o governo e mantém uma boa relação com Aécio Neves. A minha opção de esquerda é uma posição que eu firmo como político-ideológica. Sou de esquerda e não me nego a dialogar com ninguém, tenho orgulho da minha relação pessoal com Aécio e faço tudo para preservá-la. Eu me orgulho de me relacionar com pessoas que pensam diferente de mim. Aprendi que não é pecado mudar de ideia quando você tem sua própria convicção. Não sou intransigente e não sou burro para não me deixar mudar de ideia. Defendo com muita convicção, por exemplo, a ideia de conselhos populares porque eu acho que é uma ideia que amplia a democracia participativa. Nesse aspecto votarei mas alinhado com o PT. Mas eu questiono o rito das medidas provisórias, porque acho que ameaça a democracia. Eu defendo a liberdade de imprensa como princípio fundamental. Detesto que me rotulem.

A chegada do PSOL ao cargos importantes deu início a uma crise de identidade no partido? Eu rogo para que o PSOL amadureça. Não sei se para isso é necessária uma crise de identidade. Acho até que o PSOL amadureceu no segundo turno. Lideranças do partido assumiram posições politicas claras no segundo turno da eleição presidencial. Alguns estão falando em alianças políticas mais amplas, por exemplo, para disputar a prefeitura do Rio de Janeiro. É preciso estar aberto a diálogo e alianças porque é assim que se faz política. Louco é quem não muda de ideia.

O que é o socialismo que o senhor defende? É um horizonte. A melhor definição é a de Eduardo Galeano sobre utopia. Você caminha em direção à utopia, ela está no horizonte. Caminho um passo e ele se distancia um passo. Caminho dois passos e ele se distancia dois passos. Por mais que eu caminhe ele se distancia. Para que eu caminho? Para que utopia? Para que horizonte? Para que eu nunca canse decaminhar. O socialismo é o horizonte estratégico que a gente deseja alcançar. É uma declaração de amor à humanidade. O século XXI redefiniu o conceito de socialismo. A gente não pode se apegar aos dogmas sectários de socialismo que se travavam nos séculos XIX ou XX. Não acho que o que Stálin fez é socialismo. Se o que tem na Coreia do Norte é socialismo não é isso que eu quero. Temos que construir uma sociedade com distribuição de riquezas mas essa sociedade deve ser pautada por valores de liberdade. Não existe socialismo sem liberdade.

Isso se parece mais com o discurso dos partidos da esquerda democrática europeia do que com o regime cubano. Eu me identifico com um modelo de socialismo que crie um estado de bem-estar social.

Isso não é simplesmente social-democracia, como defende o PSDB? Se quiser definir assim… Eu defini como um modelo de bem-estar social. Não acredito numa sociedade socialista sem os direitos individuais que estão na nossa Constituição.

Então, nada de revoluções ou subversão das instituições da República? Eu sou contra. Eu defendo as instituições democráticas. Acho que que a mais importante delas é o Ministério Público. Sou pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de controle dessas instituições democráticas.

O que o senhor fará na eleição de 2018? Só tenho duas chances: ser candidato à reeleição no Senado ou a governador do Amapá; isso vai depender muito das circunstâncias. Eu fui pré-candidato a presidente e deixei a candidatura no meio do caminho. Tentar nova candidatura à Presidência não seria bom. Foi um trauma. Avalio que foi um erro de avaliação minha e de companheiros do partido. É uma autocritica que eu faço. Uma coisa que admiro na esquerda é a capacidade de autocrítica. Eu queria que o meu partido exercitasse mais essa capacidade. Faltou avaliar a correlação de forças, faltou ouvir mais o congresso do partido em outubro de 2013 e faltou o partido guerrear menos internamente. Tem que ouvir mais para fora.

Com o excesso de partidos no Congresso, fala-se em cláusula de barreira e algumas siglas, como o PROS e o DEM, negociam fusões com outros partidos. O senhor acha que é um caminho para o PSOL? A cláusula de barreira eu entendo que vai ser um problema porque, no meu entender,  a Constituição a veda claramente. Acho melhor tentarmos mecanismos de fusão. Essa pulverização em excesso não é boa para a democracia. O quadro muito pulverizado só serve para abrir espaço para negociadores siglas e figuras que acabam vulgarizando a disputa presidencial. Seria interessante o PSOL mesmo pensar nisso, porque acho que tem espaço à esquerda com o PSOL, com setores de dentro do PT, PCdoB, PSB, PDT. Se o PSOL tiver a capacidade de dialogar com esses setores, pode construir uma alternativa que será boa para o Brasil.

  • O PSOL Nacional, não entende a peculiaridade que o Estado do Amapá tem, e deveriam agradecer ao Senador Randolfe, por ele ter conseguido essa aliança e ter derrotado o candidato do Sarney, pq se não eles teriam dominado tudo nessa eleição.

  • No Amapá tudo acontece. Faz-se tudo sem escrúpulos e sem dignidade. O Senador Randolfe, que foi o candidato que eu votei, apareceu com a “mudança” há exatos 4 anos. Foi eleito, apoiou o candidato a prefeito Clécio, que também teve o meu voto, mais mudança. Depois disso nas eleições desse ano, esses ditos que se chamam “mudança” e que passaram a ser a 3a. via nesse Estado dominado por duas oligarquias que só prejudicam o povo do Amapá. Esses lindos foram se abraçar com os Capiberibes e fazer parte desse grupo. E agora? Qual é a opção do eleitor? Não satisfeitos trairam a companheira Dalva para apoiar o candidato do DEM. E ainda tem a cara dura de querer empurrar essa desculpa esfarrapada para o povo do Amapá. Acho que ele pode sair do PSOL e ir para o DEM também. Mas o meu voto esse Senhor jamais terá outra vez.

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