Política Ambiental e a Pororoca do Rio Araguari

*Marco Chagas. Marco Chagas. Professor do Curso de Ciências Ambientais e do Mestrado em Desenvolvimento Regional da Unifap. Doutor em Gestão Ambiental

Quanto é natural e quanto é antrópico no processo de mudanças da dinâmica do Rio Araguari? Encontrar “culpados” para o fim da pororoca no rio Araguari possibilita uma reflexão para além dos limites da ciência arrogante de respostas complexas que se insinua representante de Deus.

Quem comanda a fisica de um rio de planície, como no trecho entre Ferreira Gomes e a foz, é a natureza e seus fatores biofísicos, principalmente geológicos. Sob esse aspecto, os livros de sedimentologia são didáticos em explicar os fenômenos evolutivos de um rio de planície. A natureza não acabou com a pororoca do Rio Araguari, apenas reconfigurou as forças que a origina enquanto significado de uma “longa onda de maré de alta densidade” ou na linguagem popular “uma estrondosa onda de lama”.

Também não dá para descredibilizar a contribuição dos impactos das atividades antrópicas, como a mineração, hidrelétricas, criação extensiva de búfalos e desmatamento. Os impactos acumulativos e sinérgicos das atividades antrópicas no rio Araguari evidenciam um histórico de negligencias para as quais as Avaliações de Impactos Ambientais (AIAs) exigidas por lei não bastam.

Minha pesquisa de doutoramento comprovou que muitos impactos da exploração de manganês no alto Araguari ficaram ocultos pela inexistência de política ambiental na época. A barragem do baixinho, uma das maiores construídas para proteger o rio, se rompeu em 1987 e lançou milhões de toneladas de rejeitos da mineração no rio Amapari, formando uma pluma de sedimentos prolongada até o Caribe. Esse é apenas um exemplo de impacto oculto no resiliente Rio Araguari.

As três hidrelétricas situadas no médio Araguari, entres Porto Grande e Ferreira Gomes, não foram submetidas a qualquer Avaliação Ambiental Estratégica ou Integrada, considerando a existência do barramento da hidrelétrica do Paredão, construída na década de 1970 pela Eletronorte com os royalties pagos pela ICOMI. Entretanto, a considerar os Programas Socioambientais dos Planos Básicos Ambientais (PBAs), a Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH), as contribuições voluntárias das empresas (como o hospital regional), não é possível que o Estado não seja capaz de melhorar a qualidade de vida dos moradores da região diretamente afetada.

A criação extensiva de búfalos na planície do rio Araguari, por sua vez, representa um dos exemplos mais didáticos de “externalidade ambiental negativa”. Enquanto os responsáveis pela atividade econômica lucram, a coletividade assume os custos dos impactos causados. A “caderneta de poupança búfalo” é rentável pelo baixo custo de manutenção e pelas externalidades ambientais negativas.

No caso do desmatamento da mata ciliar, esse parece sinalizar o mais significativo impacto sobre o rio, não anulando a responsabilidade das demais atividades antrópicas.  O monitoramento do desmatamento da mata ciliar do Rio Araguari e um programa de recuperação ambiental são recomendáveis.

A culpa que se procura para o fim da pororoca no Rio Araguari é um projeto de pesquisa socialmente vazio. Meu entendimento é pela responsabilização criminal daqueles que fazem da política ambiental instrumento de barganha de interesses de grupos políticos, como vem acontecendo com o licenciamento ambiental no Amapá.

 

 

  • É bom lembrar de um dos maiores crimes ambientais cometidos na região, inclusive presenciado por nós quando trabalhávamos na Sema, quando um prefeito de Tartarugalzinho resolveu baixar o nível das águas da Rebio Piratuba para criar pastagens para búfalo, lembro que íamos de Tartarugalzinho até o igarapé do Tabaco de voadeira. Hoje nem de varejão se pode andar, sem contar que depois que aconteceu essa agressão ambiental a Rebio pega fogo todo ano.

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