Páscoa, vida nova

Dom Pedro José Conti

                                                         Bispo de Macapá

Contam que o grande cientista Galileu Galilei, já avançado na idade, a quem lhe perguntava quantos anos tinha, respondia: “Oito, talvez dez”.Ao interlocutor, que o olhava sem entender, explicava: “Meu amigo, os anos que eu já vivi não me pertencem mais, já os perdi. O que posso ter ainda é o que resta da minha vida. Portanto, pense bem, o cálculo não está tão errado assim”. Sábias palavras de um homem consciente da pequenez humana.

 

Estamos acostumados a medir o tempo de nossas vidas tendo como limites o dia do nascimento e o dia, ainda desconhecido, da nossa morte. No entanto se podemos dizer que morremos um pouco a cada dia, podemos também fazer destes dias – da vida que passa – o amanhecer de uma vida nova, a vida de Jesus ressuscitado, que venceu a morte de uma vez por todas.

 

Fazemos tanto esforço para prolongar a nossa vida. É nossa obrigação, sem dúvida alguma, porque esta vida é o primeiro grande dom que recebemos, de graça, das mãos de Deus. O que vale, porém, não é a mera sucessão dos dias, como se a nossa vida fosse “vegetativa”, o que vale é a nossa maneira de viver. Nós somos uma mistura maravilhosa de pensamentos e ações, de impulsos e decisões, de afetos, desejos e vontades. Assim Deus nos fez: livres, ativos e criativos. Não conseguimos ficar parados como os vegetais; menos ainda nascemos, mais ou menos programados, como os animais. Podemos usar e abusar da nossa liberdade.  Podemos fazer o bem e podemos fazer o mal; às vezes confundimos tudo, mas às vezes est amos muito conscientes das nossas possibilidades de dar a vida ou de destruí-la; de dar esperança e alegria ou de sermos causa de desespero e lágrimas.

 

Como cristãos já deveríamos ter entendido que a morte verdadeira, afinal, é o mal que fazemos; todo coração incapaz de amar está morto também se funciona perfeitamente e bate sem parar. Precisamos colocar a vida nova da ressurreição de Jesus em nossas vidas, muitas vezes cheias de entulhos e de escuridão, faltando-lhes a beleza e a luz esplendorosa da Páscoa.

 

Quem teve a paciência de acompanhar a catequese da liturgia da Palavra, durante os últimos domingos da Quaresma, deve estar entendendo tudo isso. Todos os evangelhos nos convidaram a passar da morte para a vida. A figueira devia ser cortada porque não produzia frutos, mas ganhou uma sobrevida, na esperança de não ocupar mais o terreno inutilmente. O pai da parábola disse ao filho mais velho que o outro, o irmão dele, estava morto, mas agora voltou a viver. Por fim Jesus salvou a pecadora do apedrejamento e a devolveu, perdoada, para uma vida nova dizendo para ela: “Vá em paz e não peque mais”. Com o seu trabalho, o vinhateiro se propôs a dar vida nova para a figueira improdutiva. O pai devolveu ao filho aquela dignidade que tinha desprezado, mas nunca perdido. O filho pródigo encontrou uma vida nova no coração do pai que nunca esqueceu aquele que o tinha abandonado e considerado como morto, visto que pediu, antecipadamente, a sua parte da herança. Por fim, a adúltera, já condenada à morte por uma lei amparada por um falso deus, experimentou em Jesus a misericórdia do Pai que não condena o pecador, mas quer que viva por meio do perdão.

 

Páscoa é, portanto, uma nova vida, vida de amor que vence o ódio e o mal; vida de bondade, compaixão e misericórdia que supera toda indiferença e cegueira do coração. Tempo de vida verdadeira é quando gastamos os nossos dias para amar, mesmo sem ter total consciência disso, e, melhor ainda, se o fazemos sem nenhuma pretensão ou busca de recompensa. Quando saímos do nosso egoísmo interesseiro e amamos o nosso próximo com generosidade e gratuidade é a Páscoa acontecendo; é a vida nova de Jesus produzindo os seus frutos. Os dias que passamos articulando o mal, as horas que perdemos buscando o nosso exclusivo interesse, os instantes que gastamos na desonestidade e na mentira, não são dias de vida, são tempo de morte. Vale a pena nos perguntarmos, dos anos que já  vivemos, quantos vivemos para a vida e quantos para a morte? Talvez seja melhor não perder mais tempo e decidir viver a vida nova do amor de Jesus. É a Páscoa acontecendo a cada instante. Contra esta vida – vida de amor em Cristo – a morte não tem mais poder nenhum, já está vencida.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *