Claro que minha abordagem na rua, se tivesse existido, seria bem menos prolixa. Acho que eu ia me limitar a agradecer por tudo e seguir caminho. Mas nunca fiz isso. A gente tende a acreditar que tem tempo, até o dia em que não tem mais.
Não duvido que tenha sido por cruzar com o Moraes tantas vezes na rua, anos a fio, que eu desenvolvi a desfaçatez necessária para transformá-lo em personagem. Não o consultei, como não consultei ninguém: o que eu queria fazer era ficção pura, ainda que com personagens reais da cultura pop-popular. Com sorte, nem tudo é mentira.
O livro “A Visita de João Gilberto aos Novos Baianos” (Companhia das Letras, 152 págs., R$ 44,90) saiu em junho do ano passado, quando eu já tinha me mudado da Gávea para o Jardim Botânico. Vizinhança interrompida, não vi mais o Moraes.
Imperdoavelmente, também não lhe enviei pelo correio um exemplar autografado com o agradecimento que àquela altura teria mais substância do que uma declaração de fã aleatório na rua.
Há um ano, por ocasião do Festival da Língua Portuguesa, em Salvador, vi um show do Moraes na praça. As pessoas pulavam, mas sua voz capaz de fazer zunzum e mel o tinha abandonado de vez. Entendi o ar triste dos encontros na Gávea.
Não ter procurado Moraes Moreira depois de publicar um conto em que ele é personagem, encarregado de projetar ao lado de João Gilberto a ideia de um Brasil possível, genial e doce, tudo ao contrário deste, é um arrependimento agora irremediável.