Meio Ambiente: Chico, Tomé e Pedro.

*Marco Antonio Chagas, doutor em desenvolvimento socioambiental e professor da UNIFAP

Houve um tempo no Amapá em que o Dia Mundial do Meio Ambiente (05 de junho) era comemorado com poesia. Nossos estudantes enchiam o Teatro das Bacabeiras para declamar seu amor pela terra e pela natureza. Citavam nossos poetas: Alcy Araújo, Isnard Lima, Manoel Bispo, Fernando Canto, Paulo Tarso, Alcinéia Cavalcante, Herbert Emmanuel e muitos outros.

Hoje as instituições de nosso Estado se reúnem para comemorar o meio ambiente reverenciando o capitalismo e tudo o que representa, como desumanidade, desigualdade e indiferença aos pobres. Aclamam autoridades da lei, agregados e puxa-sacos. Renegam Chico Mendes, Tomé de Sousa Belo e Pedro Ramos.

Olhem para nossos pequenos agricultores rurais, para os extrativistas de castanha, pescadores, artesãos, etc. Apoiem nossas vantagens comparativas, como o ecoturismo nas áreas protegidas, a gastronomia popular e a multiculturalidade. Essas são algumas atividades econômicas solidárias e verdadeiramente capazes de gerar um processo econômico endógeno libertário ao colonialismo das commodities.

Sabemos que esses “pequenos” não rimam com desenvolvimento, nem com democracia representativa. Desenvolvimento e democracia representativa são coisas dos “grandes”, das hidrelétricas, do agronegócio, da mineração/petróleo. Claro, são os grandes que compram eleições e manipulam seus representantes.  Estamos a reaprender com os indígenas que praticam séculos a democracia participativa e a comunitária.

Em comemoração ao dia mundial do meio ambiente resgato “De mano pra mano” como reconhecimento a luta e resistência de Pedro Ramos pelo direito dos “pequenos”, pela floresta em pé e por nos mostrar que existem alternativas:

De mano pra mano: Carta para o amigo Chico Mendes

Mano Chico, seu nome hoje é símbolo da luta dos seringueiros, dos ambientalistas; é símbolo do desenvolvimento sustentável e do ecologicamente correto.

Mano Chico, seu nome hoje é grande e respeitado por toda gente que deseja um sistema econômico sem as mazelas da depredação ambiental e da contaminação do solo, da água e do ar.

Mano Chico, depois que você morreu, seu ideal e seu nome ajudaram a criar as quatro primeiras reservas extrativistas, e muitas outras vieram depois, melhorando a qualidade de vida das pessoas da floresta que foram à razão maior da sua luta.

Mano Chico, você nem imagina que uns tempos atrás criaram o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que chamam de ICMBio, resultante do desmembramento do Ibama, e depois disso esse é o órgão responsável pela gestão das áreas protegidas, inclusive das nossas Reservas Extrativistas.

Mano Chico, foi realizada no Brasil a Eco-92, onde se lançou a Carta da Terra, e depois a Rio+20, e depois dela o Brasil continua participando de muitas conferências mundiais e assinando acordos e tratados, inclusive recentemente assinou o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.

Mano Chico, em 2002 o nosso querido Lula foi eleito presidente do Brasil, e se reelegeu em 2006, e em 2010 foi eleita a Dilma, que também se reelegeu em 2014, mas foi deposta por um golpe do parlamento com o judiciário e com a mídia agora em 2016.

Mano Chico, no atacado o Lula e a Dilma fizeram governos muito bons, mas no varejo ficaram nos devendo. E o pior, Mano Chico, é que por agora não vamos ter como acertar essa conta, porque o governo que entrou depois de derrubar a Dilma deu logo um jeito de acabar com as nossas conquistas da agricultura familiar e tem tentado de todo jeito fechar os programas indígenas.

Mano Chico, o latifúndio da monocultura de exportação continua grilando nossas terras e se apossando dos nossos territórios. O desmatamento, a degradação ambiental e a contaminação das nossas águas continuam graves, mano Chico.

Mano Chico, a demarcação das terras indígenas, a regularização das terras quilombolas e a criação de novas reservas extrativistas estão esfriando na geladeira da Casa Civil da Presidência da República. Está faltando você por aqui, Mano Chico, para trocar uma prosa com os poderosos que continuam dominando nosso país a partir dos gabinetes de Brasília.

Mano Chico, quanto a mim, ando meio perrengue mas continuo por aqui como militante do Conselho Nacional dos Seringueiros, que nós criamos juntos, e que para incluir os novos parceiros, mudou o nome para Conselho Nacional das Populações Extrativistas, mas mantém a nossa velha sigla do CNS.  Sem você por aqui, vou fazendo o que posso para seguir na nossa luta.

Mano Chico, já se vão 28 anos, e todo mundo anda com muita saudade de você. Então, mano Chico, até mais ver!

Pedro Ramos de Sousa (Fundador do CNS junto com Chico Mendes no ano de 1985. Carta originalmente escrita para o livro Vozes da Floresta, publicado pela Xapuri em 2010, atualizada em dezembro de 2016 quando, no dia 22, se completaram 28 anos do assassinato de Chico Mendes).

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