CAÍ DO MUNDO E NÃO SEI COMO VOLTAR
Eduardo Galeano
Jornalista e escritor uruguaio
Em casa tínhamos um móvel com quatro gavetas. A primeira gaveta era para as toalhas de mesa e os panos de prato, a segunda para os talheres e a terceira e a quarta para tudo o que não fosse toalha ou talheres. E guardávamos… E as pilhas! As pilhas das primeiras Spica passavam do congelador ao telhado da casa. Por que não sabíamos bem se se devia dar calor ou frio para que durassem um pouco mais. Não nos resignávamos que terminasse sua vida útil, não podíamos acreditar que algo vivesse menos que um jasmim. As coisas não eram descartáveis. Eram guardáveis. Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis; também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a imprudência de comparar objetos com pessoas. Não vou misturar os temas, não vou dizer que ao eterno tornaram caduco e ao caduco fizeram eterno. Não vou dizer que aos velhos se declara a morte apenas começam a falhar em suas funções, que aos cônjuges se trocam por modelos mais novos, que as pessoas a que lhes falta alguma função se discrimina o que se valoriza aos mais bonitos, com brilhos, com brilhantina no cabelo e glamour. Eduardo Galeano * Jornalista e escritor uruguaio |
4 Comentários para "Gostei e compartilho"
Grande Galeano, autor do emblemático livro “Las vienas abiertas de América Latina”, que fez muita gente refletir sobre nossos problemas históricos, e que inclusive fala no Amapá.
É um grande apaixonado pelo futebol e também para quem aprecia o assunto, escreveu o livro: “Futebol ao sol e à sombra”, com crônicas maravilhosas e histórias interessantes. Deve está feliz da vida com o time de Lugano, Diego Forlan e companhia. Felicitações ao blog por disponibilizar um belo texto.
Também muito belo é a sua “Carta ao Senhor Futuro”.
Estimada,
Ai está um texto de Galeano, com os devidos créditos, como sugestão para o blog.
Eduardo Galeano: Carta ao Senhor Futuro
Publicado em O Arqueólogo do Futuro, da Agência Carta Maior
Prezado Senhor Futuro,
Com a minha maior consideração:
Estou lhe escrevendo esta carta para pedir-lhe um favor. O senhor saberá desculpar-me o incômodo.
Não, não tema, não é que queira conhecê-lo. O senhor há de ser muito solicitado, haverá tanta gente que quererá ter o prazer; mas eu não. Quando alguma cigana me toma a mão para ler-me o porvir, saio correndo em disparada antes que ela possa cometer tal crueldade.
E, no entanto, você, misterioso senhor, é a promessa que nossos passos perseguem querendo sentido e destino. E é este mundo, este mundo e não outro mundo, o lugar onde o senhor nos espera. A mim e aos muitos que não acreditamos nos deuses que nos prometem outras vidas nos mais longínquos hotéis de Mais Além.
E aí está o problema, senhor Futuro. Estamos ficando sem mundo. Os violentos o chutam, como se fosse uma bola. Jogam com ele os senhores da guerra, como se fosse uma granada de mão; e os vorazes o espremem, como se fosse um limão. A este passo, temo, mais cedo do que tarde, o mundo poderá ser não mais do que uma pedra morta girando no espaço, sem terra, sem ar e sem alma.
Disso se trata, senhor Futuro. Eu lhe peço, nós lhe pedimos, que não se deixe desalojar. Para estar, para ser, necessitamos que o senhor siga estando, que o senhor siga sendo. Que o senhor nos ajude a defender a sua casa, que é a casa do tempo.
Quebre-nos esse galho, por favor. A nós e aos outros: aos outros que virão depois, se tivermos depois.
Saúda-te atentamente,
Um Terrestre
Valeu..Obrigada
Valeu Alcilene, pois, “somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”.
Eduardo Galeano
Amo de paixão esse grande escritor, quem tiver um tempinho leia o poema dele “pescadores de vida”, altamente reflexivo.