Por Wagner Gomes. Advogado
Pico Della Mirandolla, na sua obra “A Dignidade do Homem,” escrito há mais de quinhentos anos, precisamente quando o homem se defrontava com o novo mundo das grandes descobertas marítimas, advertia: “de fato, é próprio da mentalidade tacanha prender-se a uma escola só, seja ela a Academia, seja ela o Pórtico”. Resumindo: nem Aristóteles, nem Platão, podem ser tidos como os donos exclusivos da verdade.
O tempo muda a forma ou a face dos eventos, mas, com freqüência, o conteúdo das realidades retorna. Ao mito Hegeliano do Novo, gestado na metarmofose dialética dos contrários, a velha sabedoria bíblica, com ares de desdém recorda: “nada de novo debaixo do sol”.
Falar da morte do amigo jornalista Bonfim Salgado, não é nada agradável. Mas como ele próprio dizia “às vezes é necessário um pouco de acidez, um certo azedume, leve e fugaz. Mas perder a doçura, nunca, jamais…” Juntos, tivemos alguns embates históricos. Mas, a amizade e o carinho, sempre prevaleceram.
Quero lembrar aqui do nosso querido Marques de Bonfá, quando tomávamos um bom uísque e ele declamava a poesia de Maiakovski, E ENTÃO QUE QUEREIS:
Fiz ranger as folhas do jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
No rugir das tempestades
Não estamos alegres é certo,
mas também porque razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio
cortando-as
como a quilha corta
as ondas.
O Marquês sem pedir a nossa autorização, se mudou, sem avisar, desta vez, para o andar de cima. Foi fazer morada com o CRIADOR.
Estou vendo o Bonfim me fazer aquela emblemática indagação da Julieta de Shakespeare:
– O que há num nome? Acaso a rosa teria perfume, se não se chamasse rosa?
Costumo dizer, lembrando a música de Milton Nascimento – “dentro de mim mora uma criança, um moleque. Quando em mim, o adulto fraqueja, a criança vem e me da a mão.”
Bonfim, sempre foi fiel ao ensinamento de Mirandolla, sustentando que ninguém é o dono absoluto da verdade. Sempre se deve ouvir os dois lados. E para mim ele continua vivo, participando de nossas vidas de um outro plano. A única falta que sinto é que ele já não mais poderá apresentar o “Fatos, Boatos & Vice-Versa”. Digo isto, buscando apoio no artigo da psicanalista e escritora Betty Milan, que apresento aos senhores:
“Por que Dom Quixote de La Mancha é um dos romances mais lidos do mundo? Possivelmente porque o herói só se deixa governar pela fantasia. Nós nos identificamos com o personagem porque ele não quer saber da realidade. Como os personagens de Gabriel Garcia Marquez não querem. Desconhecem inteiramente o limite entre o imaginário e o real.
Quem leu “Cem Anos de Solidão” não se esquece de José Arcádio Buendía, “cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza e até mesmo além do milagre e da magia”. Ele acreditava que era possível desentranhar ouro da terra com um lingote magnético. O leitor também deve se lembrar da mulher de Buendía, Úrsula, que depois da morte do marido continuou a encontrá-lo no castanheiro onde ele passou amarrado os últimos anos da sua vida. Úrsula ia ao jardim lamentar a sorte dos seus descendentes, chorar no ombro do marido e se consolar. No povoado dos Buendía os mortos morrem sem morrer. Por isso, o romance arrebata e, mais que isso, consola.
O nosso maior desconsolo é a perda do ser amado. Só superamos a tristeza quando entendemos que perder não é sinônimo de não ter. Que quem morreu já não está no mundo, mas pode existir em nós. Fazer o luto é entender que a morte não anula a existência e que, sem estar, o morto ainda está. Isso requer tempo. Tanto mais tempo quanto menos ritualizada é a despedida. Nas sociedades em que existe o culto ao ancestral, a morte não deixa quem perde inteiramente desprotegido como na nossa sociedade. Entre nós, evita-se falar da morte e não se tem tempo para a tristeza, o que nos expõe mais ainda aos efeitos negativos dela. Nada é pior do que a tristeza recalcada, de ação sorrateira e conseqüências imprevisíveis. Quem não chora o seu morto e não é consolado pelos vivos fica sozinho com a perda. Num certo sentido, é marginalizado. Por outro lado, quem não tem tempo para o sofrimento alheio não pode ter relações de amor ou de amizade. E, assim, isola-se também.
Os personagens de romance encontram soluções mágicas para os seus dramas. Já nós somos obrigados a aceitar a realidade. Mas nada nos impede de aprender com os personagens a usar a nossa imaginação e viver melhor. No caso do luto, isso significa rememorar: o encontro, a solidariedade, e tempo feliz vivido na companhia do outro. Rememorar em vez de lamentar a falta. Só chora continuamente a perda do amado ou do amigo quem não acredita na própria morte. Ou desacredita o tempo, porque se ilude pensando que a vida não passa”. AL DI LA!!!! SAYONARA…FIQUE COM DEUS… MARQUES DE BONFÁ!!!!!
WAGNER GOMES
1 Comentário para "FATOS BOATOS & VICE-VERSA"
Excelente homenagem prestada ao intelectual jornalista Bonfim Salgado, pelo advogado Wagner Gomes. Nesta oportunidade permita-me fazer uma comparação do discurso pronunciado pelo criador da Apple, Steve Jobs, para os formandos da Universidade de Stanford, no ano de 2005, com aquilo que expressava o filósofo Friedrich Nietzsche:
“Ensino-vos o super-homem. O homem é algo que será ultrapassado. Que fizestes para ultrapassá-lo? O que é grande no homem é que ele é uma ponte e não uma meta: o que pode ser amado no homem é que ele é uma transição e uma destruição. Amo aqueles que não sabem viver senão perecendo – porque estão indo além. Amo os grandes desprezadores, porque são os grandes adoradores; são flexas de ânsia voando para outra praia”
“… A morte é muito provavelmente a principal invenção da vida. É o agente da mudança da vida. Ela limpa o velho para abrir caminho para o novo. Nesse momento, o novo é você. Mas algum dia, não muito distante, você gradualmente se tornará um velho e será varrido. Desculpa ser tão dramático, mas isso é a verdade …” (Steve Jobs)
Como disse o autor do artigo , Bonfim Salgado, continua entre nós… fique com Deus, Bonfim…