Em O Globo

Do Jornal o Globo: Francisco Bosco

 

O colunista escreve às quartas-feiras 
Movimentos

Todos sabemos que o sistema político brasileiro, com sua lógica pemedebista, atrasa deliberadamente as aspirações da sociedade por maior democracia; quem está sustentando essas aspirações, quem sobretudo as reúne, articula, galvaniza e dispara são os movimentos sociais e seus atoresNa semana passada estive em um encontro com o senador Randolfe Rodrigues, do PSOL. Lá estavam alguns dos sujeitos de atuação política mais relevantes do Rio e do Brasil. Numa intervenção, Cezar Migliorin observou que o desejo é um problema de velocidade. O comentário preciso esclarecia minha própria situação ali: sou um escritor que se identifica com o desejo que Deleuze pensava ter Espinoza sobre a política: um desejo de velocidade baixa, que entretanto se vê obrigado a engajar-se para que se possa viver numa sociedade mais livre. Todos sabemos que o sistema político brasileiro, com sua lógica pemedebista, atrasa deliberadamente as aspirações da sociedade por maior democracia; quem está sustentando essas aspirações, quem sobretudo as reúne, articula, galvaniza e dispara são os movimentos sociais e seus atores. É a velocidade do desejo deles que insufla o meu próprio desejo e até me envergonha um pouco de meu ceticismo, ou ao menos lentidão, de intelectual.
São esses sujeitos e movimentos que quero saudar aqui. Começo por Pablo Capilé, para quem o Rio de Janeiro tem se mostrado fértil na ação de movimentos sociais e a capacidade que encontram de dialogar e intervir junto ao poder público (e independente dele, claro, por definição). Ao contrário do que dizem seus detratores, Capilé não é um “líder de seita”, mas um líder democrata, ativista incansável, de raciocínio rápido e brilhante. Sua atuação tem sido no sentido de identificar outras lideranças e promover encontros entre elas, que possam suscitar um aprimoramento das ideias e possíveis pactos de ação entre sujeitos comprometidos com o aprofundamento da democracia brasileira. Dentro dos limites da minha velocidade e dentro de meu campo de ação, que é sobretudo a escrita, estou a seu lado.

Ainda entre os sujeitos que estavam no encontro com o senador, quero homenagear, além do já citado Migliorin, o sociólogo Marcos Lacerda, o editor Sergio Cohn, o pessoal do Fora do Eixo e a presença esplêndida de Ricardo Targino, com sua inteligência utópica. Foi muito proveitoso ouvir as ideias de Randolfe Rodrigues, cuja atuação tenho acompanhado com interesse. O candidato à presidência se confirmou inteligente e esclarecido, e ainda dotado de uma forma de humildade necessária ao campo da esquerda, propenso que é ao moralismo e às intransigências improdutivas. Para finalizar essa cena, consigno a presença de Luiz Eduardo Soares, um de meus mestres. A alegria e esperança que me dão sua atuação estão sempre acompanhadas da tristeza e revolta que me trazem a percepção de que o Brasil desperdiça em larga medida um homem público dessa grandeza. Felizmente ele persevera e está à frente de alguns dos movimentos de possibilidades mais decisivas para a nossa democracia, como a Rede e a reforma da polícia (por meio da PEC 51, apresentada pelo senador Lindbergh Farias, do PT).
No domingo, Filipe Peçanha, cuja atuação na mídia Ninja tem sido da maior relevância, foi preso pela PM enquanto filmava abusos cometidos por ela junto a jovens negros, no Arpoador. A alegação de “falsidade ideológica” (pois Filipe não possuía registro de jornalista) é inconstitucional (o STF suspendeu, em 2009, a necessidade de diploma para o exercício do jornalismo), configurando abuso de autoridade por parte da polícia. Mais que isso, absurda: prenderam um cidadão por ele estar filmando uma ação policial. A atuação dos movimentos sociais tem ajudado a revelar a natureza das forças, dentro e fora do Estado, que agem no sentido da manutenção da nossa democracia hierarquizada. (No dia seguinte, policiais arrastaram, dependurado na viatura, o corpo de Claudia Ferreira da Silva, num ato de barbaridade que chocou toda a sociedade. A aprovação da PEC 51 é urgente.)
É impossível falar sobre movimentos sociais no Rio e não citar a importância da atuação de Jailson de Souza (Observatório de Favelas), Eliana Souza Silva (Redes da Maré), Marcus Faustini (meu colega de coluna, à frente da Agência de Redes para a Juventude), Écio Salles (Flupp), Junior Perim (Circo Crescer e Viver) e o pessoal do Reage, Artista! Tenho orgulho de ser amigo de muitos deles, amizades que nasceram do interesse comum pela transformação da cidade no sentido de maior justiça social. Comecei a escrever esta coluna porque nesta semana comemora-se o dia internacional da Síndrome de Down e nós no Brasil temos um motivo especial para comemorá-lo: o Movimento Down (www.movimentodown.org.br/) completa dois anos de atuação, tendo se transformado em referência para as pessoas com a síndrome e seus familiares, e colaborando assim, mais amplamente, para o esclarecimento e a democratização de toda a sociedade brasileira.

http://oglobo.globo.com/cultura/movimentos-11913616

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