Carta de um Bode Velho à Universidade

* Marco Chagas. Professor-Doutor na Unifap

Marco Chagas

Lembro-me dos meus mestres com carinho: Elmira Coimbra, Maria Cavalcante Picanço, Paulino Souza do Rosário, Eunice Viana, Lindaura Chagas da Silva, Zulma Carneiro e Agostinho Lopes, com quem convivo no esporte até hoje. Também não posso esquecer da professora Terezinha Ataíde, grande amiga e vizinha de minha vó, Nair Chagas, e, portanto, “delatora oficial” do meu comportamento estudantil.

A maioria dos professores citados é do IETA, onde estudei na adolescência. Aliás, não entendo como acabaram com o IETA, instituição que tinha a honrosa missão de formar professores. Sugiro a leitura da brilhante tese de doutorado do professor João Wilson Savino Carvalho sobre a história do IETA.

Do IETA para a UNIFAP passaram-se muitos anos. Hoje, tenho a missão de formar “Bode Velho”, apelido de um dos meus alunos da graduação. Bode Velho foi batizado como Francisco e duas características me chamaram atenção em seu comportamento acadêmico: a humildade e a insistência. A primeira, um valor intrínseco do seu caráter. A segunda, a busca pela graduação aparentemente distante diante de tamanhas carências. Francisco hoje é um Bode Velho formado.

Nenhuma outra tarefa me motiva mais na UNIFAP do que contribuir para a formação acadêmica de pessoas, mas reconheço que o conhecimento desprovido de valores éticos e morais é (des)conhecimento. O artigo assinado pela cientista social e antropóloga Rosana Machado, publicado pela Carta Capital de 24/02/2016, “Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica”, bem que poderia se chamar “Carta de um Bode Velho à Universidade”. O artigo me tocou. Expõe o que penso sobre as Universidades.

Mestres e doutores universitários usam a titulação para se manterem numa zona de conforto de seus interesses pessoais. Poucos constroem suas trajetórias acadêmicas dialogando com a sociedade e seus problemas. Prevalece à arrogância “o conhecimento sou eu”, parafraseando o rei da França Luis XIV.

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos, em seu texto “A Universidade do Século XXI”, critica o fato de que são os pesquisadores quem determinam os problemas científicos a resolver, muitas vezes impondo um processo de produção de conhecimento arrogante e descontextualizado da cultura e do cotidiano da sociedade que os cercam. A autonomia do pesquisador traduz-se numa certa irresponsabilidade social deste ante os resultados da aplicação do conhecimento, destaca Boaventura.

Evidente que a vaidade acadêmica é o principal sintoma da doença e as consequências são perversas, pois corre-se o risco de sermos vistos pela sociedade como arrogantes, inúteis ou substituíveis por um click no computador.

A Universidade é antes de tudo um bem público e como tal, os interesses individuais (que muitas vezes ocultam interesses políticos e de poder) não pode prevalecer enquanto existir um Bode Velho.

Não sei por onde anda o Bode Velho. Sei apenas que aprendi muito com a oportunidade que Francisco me deu em ser seu orientador e com isso ter me sentido, por um momento, um pouco útil, assim como foram em minha vida os queridos professores do IETA, incluindo Terezinha Ataíde, sem a qual não teria sido possível a correção dos meus erros, por mais duras que tenham sido as medidas corretivas aplicadas por minha vó.

 

Marco Antonio Chagas, doutor e professor “arrogante” da UNIFAP.

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