“A MORTE DE UM AMIGO: SENTIMENTOS EM RAZÃO DO INCÊNDIO NO MUSEU NACIONAL”. *Dorival da Costa dos Santos (Nei). Professor Associado do Curso de História da Universidade Federal do Amapá.

Desde os meus 14 anos frequento o Museu Nacional, primeiro, levado por minha mãe em uma viagem de turismo, depois várias vezes como historiador e outras como pai, a mostrar orgulhoso aos filhos aquele amigo inteligente, culto e de agradável convivência. A sensação que tive ao acompanhar o fogo consumindo o prédio, justamente no domingo, quando ele era mais exuberante, foi idêntica a acompanhar os estertores de um amigo profundamente querido, a respiração ruidosa de um ente querido moribundo.

 

Hegel ao contemplar as ruinas do Partenon na Grécia disse “a morte, se assim quisermos chamar a essa irrealidade, é a coisa mais espantosa, e guardar o que está morto é o que exige uma maior firmeza”.

 

E nós que amamos a cultura, a história e o saber temos como obrigação, não apenas sermos firmes, no desnudamento das causas imediatas do incêndio, como também das causas mediatas que levaram ao sinistro. É certo que a cadeia de responsabilidades se esparrama por todos os lados: da vulgarização da cultura de massa patrocinada pela indústria do entretenimento, passando por uma educação básica deficiente e enraizando-se no desprezo do poder público para com a ciência, a memória e a história do nosso país. Mesmo considerando uma certa razão a ideia de Umberto Eco de que as redes sociais deram voz aos imbecis, outro dia em razão de uma emenda da deputada Marcivânia destinada a construção da Biblioteca Central da UNIFAP, uma dessas mentes raquíticas, arrotou numa rede social sobre suposta inutilidade dessa destinação; exemplo tocante de como está profundamente fixado na sociedade brasileira a irrelevância da história, da memória, da ciência e da cultura.

 

 

Se a insensibilidade, o descaso, a irresponsabilidade são patentes em um monumento e instituição espetacular da cultura nacional, imagine no caso do Amapá. Somos o único estado da federação que não tem um Arquivo Público efetivamente funcionando, a anos existe somente no papel; nosso Museu Histórico, pior que seu irmão carioca, vive na miséria. Para se ter uma ideia da dramaticidade do desprezo com a memória amapaense, tempos atrás ao passar pela sede da Procuradoria do Governo do Estado do Amapá, na esquina da Rua Eliezer Levy com avenida FAB, em um final de tarde, vi o professor Jadson Rabelo Porto catando papel diante de dois caminhões, indagando do que se tratava, o professor Jadson me disse que se tratava de processos “inservíveis” da PROG que tinham como destino a incineração. Recolhemos nós dois o que podemos, documentos que até hoje alimentam trabalhos dos nossos alunos, meu e do Jadson.

 

Não é oportunismo, tampouco insensibilidade por essa perda incomensurável, nós, historiadores, cidadãos e cidadãs que sabem o valor da memória, da história e da cultura para a construção civilizatória, devemos aproveitar esse triste momento, para bradarmos nossa indignação com o estado de penúria da memória, da história e da cultura amapaense.

 

E mais, seria o caso de aproveitar essa tragédia para provocar institucionalmente, não apenas o debate sobre o gravíssimo problema do desprezo do poder público pela memória do Amapá, penso que para além do debate é a oportunidade de sermos agressivos para forçar o comprometimento das instituições acadêmicas, governamentais e sociais com soluções efetivas para a construção de infraestrutura para o funcionamento real das nossas organizações de guarda de memória e pesquisa histórica, cito apenas algumas: construção do Arquivo Público do Estado do Amapá, ampliação e sustentação do Museu Histórico Joaquim Caetano, ampliação da manutenção do Núcleo de Pesquisa Arqueológica do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá – IEPA, da Biblioteca Pública Elcy Lacerda, do Centro de Estudos e Pesquisa Arqueológicas do Estado do Amapá-CEPAP-UNIFAP e a construção do Centro de Memória, Documentação Histórica e Arquivo – CEMEDARHQ-UNIFAP entre outros investimentos e ações.

 

Como disse Sthéfane Hessel “indignai-vos”, “eu desejo a todos, a cada um de vocês, que tenham seu motivo de indignação. Isso é precioso”.

 

No momento o nosso motivo de indignação é o desprezo do poder público e da sociedade pela memória e história do nosso país e do nosso estado. Mudar esse status quo é o que nos exige mais firmeza.

 

Dorival da Costa dos Santos (Nei). Professor Associado do Curso de História da Universidade Federal do Amapá.

  • obrigada Dorival, gostei muito de seu comentários vívido , vindo e significativo da importância e abrangência do Museu, esse amigo presente na formação e experiencias de brasileiros de toda parte.

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