A cúpula do Biden vai repercutir no Amapá?

*João Alberto Capiberibe. Ex-governador do Amapá. Ex-senador da República e ex-prefeito de Macapá

 

 

 

 

 

 

Na próxima semana, sob a liderança de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, a preocupação com a preservação ambiental retorna a agenda global, e vai permanecer pelos próximos anos. Veremos uma retomada do debate sobre uma nova ordem ambiental fundamentada na urgência para salvar o planeta.

E nós que vivemos em Macapá, aqui na foz do rio Amazonas, o que temos a ver com essa reunião do Baden? Tudo! Tudo a ver, desse encontro o mundo saíra com uma nova agenda de preocupações ambientais, certamente colocando a Amazônia no topo das prioridades, e dentro dela estamos nós, o Amapá, com uma experiência recente de traduzir em políticas públicas as teses do desenvolvimento sustentável.

Essa reunião será tão importante e
decisiva que Bolsonaro, mesmo a contra gosto, vai dela participar, e mais já mandou uma carta ao Biden em que promete acabar com o desmatamento na Amazônia, e pasmem! Ouvir as entidades do terceiro setor, indígenas e comunidades tradicionais. É um cavalo de pau na sua política de “passar a boiada”.

O Amapá como disse antes, ousou abraçar políticas públicas criativas e inovadoras através do PDSA (Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá 1995/2002,) cujos resultados na economia, saúde, educação e cultura estão registrados em documentos oficias, disponíveis à pesquisa, só precisam ser estudados. Pra concluir recomendo uma releitura do Pdsa na ótica dessa nova agenda que vai emergir depois da cúpula do clima do democrata Joe Biden.

Aproveito para compartilhar um texto escrito em 1997, no calor da luta, que mostra nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável.

Desenvolvimento Sustentável na prática
João Alberto Capiberibe

Mais do que um conceito ecológico, o PDSA é uma proposta política e uma estratégia econômica, que se nega­­­ a aceitar a exclusão social.

O mundo da globalização é o cenário dos megaempresários, dos grandes fluxos financeiros, dos blocos e alianças comerciais. Tudo é pensado no macro, no imediato, e a esfera econômica ocupa o lugar de protagonista. Diante deste cenário de final de século, qual o espaço que pode ser ocupado por um pequeno estado da região amazônica – o Amapá?

Para nós, partidários e defensores da ideia de desenvolvimento aliado à sustentabilidade, é fundamental provar que, mesmo neste mundo globalizado, é possível se alcançar o desenvolvimento econômico que também garanta à equidade social, a conservação ambiental, a descentralização política, a participação popular e o respeito às diferenças étnicas e culturais. Foi preocupada com toda essa complexa problemática que a sociedade amapaense elaborou e vem implementando o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amapá. Mais do que um conceito ecológico, o PDSA é uma proposta política e uma estratégia econômica, que se nega a aceitar a exclusão social. Pelo contrário, ele se impõe a tarefa de criar canais efetivos de participação, incentivando a organização das comunidades locais, para aproximar a sociedade do Estado, tornando-os parceiros na administração do espaço público.

Após dois anos e meio de administração, o PDSA ganha visibilidade e muitos de seus projetos já são realidade concreta. O Amapá foi o primeiro estado do país a demarcar todas as suas Terras Indígenas – hoje elas representam 8,6% da área total de nosso estado e abrigam cerca de cinco mil índios de quatro etnias. O caso dos Waiãpi, por exemplo, guarda grande significado. Diante da devastação social e ambiental que atingia suas aldeias, foram os próprios índios quem expulsaram os invasores de suas terras, num processo de autodemarcação que foi homologado em maio de 1996.

A auto-organização das comunidades tem garantido também o atendimento às demandas e a autonomia cultural das diversas etnias. Graças ao processo de descentralização e às parcerias firmadas com as associações indígenas, os investimentos nos setores produtivos – agricultura, pecuária e artesanato – bem como na infraestrutura das aldeias – moradia, saneamento, saúde e educação – atingiram mais de R$ 2,3 milhões, entre 1995/96. O projeto de educação bilíngue, por exemplo, preocupa-se em ensinar o português sem deixar de lado a língua nativa. Os professores são formados para lidar com essa dinâmica, através da coordenação do Núcleo de Educação Indígena do Amapá (NEI).

Pesca e castanha
Os castanheiros – tradicional grupo extrativista de nosso estado – também vêm recebendo incentivo técnico e financeiro para que desenvolvam suas atividades. Através de cooperativas, eles foram beneficiados por linhas de crédito para a produção e compra de máquinas, permitindo o aproveitamento sustentável tanto do óleo de castanha como de diversos outros subprodutos. O processamento local da castanha elimina os intermediários, revertendo um processo que gerava renda para outras pessoas, e não para os castanheiros.  O governo e as cooperativas também viabilizaram mercado de consumo  para a produção, incentivando as escolas a incluírem a massa da castanha em sua merenda.

Na Assembleia Legislativa, está em tramitação um projeto de autoria do Executivo que cria uma reserva de 850 mil ha, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no município de Laranjal do Jari. Essa iniciativa visa garantir o aumento da produção e a diversificação dos produtos florestais, assegurando a permanência das populações tradicionais na região e melhorando sua qualidade de vida, além de romper com um passado de explorações, representado pelos atravessadores. O governo tem também apoiado à atividade dos pescadores artesanais. Através do financiamento do Banco do Estado do Amapá (Banap), as cooperativas já puderam adquirir mais de 80 barcos, construídos pelas próprias comunidades e a baixo custo. Incentivando o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis aplicadas à pesca, o estado estimula uma atividade econômica que não é agressiva ao meio ambiente, nem predatória.

É importante que se ressalte que todas as ações que estamos viabilizando seguem um planejamento estratégico, que pensa no global, construído na troca de experiências com universidades, pesquisadores, ONGs, organismos internacionais e técnicos. No campo legal e da regulamentação, todas as políticas públicas obedecem a uma matriz ambiental, representada pelo zoneamento econômico-ecológico que realizamos. Ele é um instrumento fundamental de preservação do ecossistema da região, colocando limites e restrições ao aproveitamento do meio ambiente, pois estabelece áreas, formas e diretrizes para o aproveitamento sustentável do estado.

Finalmente, é preciso destacar o fato de que o PDSA é um processo em permanente construção. Nestes dois anos e meio de administração, nos deparamos com resistências e oposições. Afinal, esse tipo de modelo de desenvolvimento bate de frente com interesses arraigados dos grandes grupos econômicos e dos políticos mais conservadores. Mas o PDSA implica nisso mesmo: uma mudança profunda na cultura política da população, bem como em seus valores e práticas. Isso se constrói no longo prazo, através da vontade política do governo e da consciência coletiva e disposição da sociedade em implementá-la.

João Alberto Capiberibe é governador do Amapá.
Julho de 1997

  • SUTENTABILIDADE X DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
    PARTE I
    ________________________________________
    O termo sustentabilidade surgiu, pela primeira vez, na Alemanha, em 1560, na Província da Saxônia, a partir da preocupação em relação ao uso racional das florestas, de forma que elas pudessem se regenerar e se manter permanentemente. Neste contexto, surgiu a palavra alemã Nachaltingkeit que traduzida significa “sustentabilidade”. (BOFF, 2012, p.32)
    Mas, somente em 1713, na Saxônia, que a palavra “sustentabilidade” se transformou em conceito estratégico, com o Capitão Hans Carl Von Carlowitz. Conforme leciona, Boff (2012), os fornos destinados à mineração, naquela época, demandavam muito carvão vegetal. Florestas eram abatidas para atender esta nova frente do progresso. Foi então que Carlowitz escreveu um verdadeiro tratado na língua científica da época, o latim, sobre a sustentabilidade (nachaltigwirtsghaften: organizar de forma sustentável) das florestas com o título Silvicultura econômica, o qual propunha o uso sustentável da madeira. A partir dessa consciência os poderes locais começaram a incentivar o replantio das árvores nas regiões desflorestadas.
    A preocupação com a sustentabilidade (Nachaltigkeit) das florestas foi tão forte que uma ciência nova foi criada: a silvicultura (Forstwissenschaft). Na Saxônia e na Prússia fundaram-se academias de silvicultura, para onde acorriam estudantes de toda a Europa, da Escandinávia, dos Estados Unidos e até da Índia, segundo Boff (2012). Esse conceito se manteve vivo nos círculos ligados à silvicultura e fez-se ouvir em 1970, no recém-criado Clube de Roma.
    A criação do Clube de Roma, em 1968, reuniu pessoas em cargos de relativa importância em seus respectivos países visando promover um crescimento econômico estável e sustentável da humanidade, tendo entre seus membros, grandes cientistas, inclusive alguns ganhadores de prémios Nobel, economistas, políticos, chefes de estado e até mesmo associações internacionais.
    O Clube de Roma, em 1972, publicou o relatório “Os limites do crescimento”, preparado a seu pedido por uma equipe de pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology-MIT. Este relatório apresenta os resultados da simulação em computador, da evolução da população humana com base na exploração dos recursos naturais, com projeções para 2100. Mostra que, devido à prossecução do crescimento econômico durante o século XXI, é de se prever uma redução drástica da população devido à poluição, a perda de terras aráveis e a escassez de recursos energéticos.
    Diante da gravidade prognosticada, a ONU passou a ocupar-se do tema e realizou, em julho de 1972, a “Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente”, em Estocolmo. Os resultados não foram significativos, mas seu melhor fruto foi a decisão de criar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), e apresentar a ideia de desenvolvimento sustentável, a partir do conceito de ecodesenvolvimento proposto oficialmente durante a Conferencia. A importância da elaboração do conceito, nessa época, foi a de unir as noções de crescimento e desenvolvimento econômico com a preservação da natureza, questões que, até então, eram vistas de forma separada.
    A outra importante conferência realizou-se em 1984 dando origem à Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo lema era “Uma agenda global para a mudança”. Os trabalhos dessa comissão, composta por dezenas de especialistas, encerraram-se em 1987 com o relatório da Primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland com o título “Nosso futuro comum”, chamado também de Relatório Brundtland, que formalizou o termo desenvolvimento sustentável e o tornou de conhecimento público mundial, tendo inspirado legisladores brasileiros a inclui-lo na nossa Constituição de 1988, em seu art. 225.
    No Relatório Brundtland aparece a expressão “desenvolvimento sustentável” definido como:
    “O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significando possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e
    preservando as espécies e os habitats naturais.”

    Em 1992 foi realizada a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, visando dar continuidade às discussões. Produziram-se vários documentos, dentre eles a Agenda 21, a Carta do Rio de Janeiro e a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas, na qual estabeleceram um critério ético-político no sentido de que os “Estados devem cooperar, em um espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade dos ecossistemas terrestres; face às distintas contribuições para a degradação ambiental global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
    Aqui, naquele momento histórico, efervescente para o mundo e especialmente o Brasil, João Alberto Rodrigues Capiberibe, anteviu a possibilidade política de colocar o Amapá nesse contexto projetando-o e projetando-se em escala global. Infelizmente em sua equipe política e de gestão, muito poucos assimilaram a grandiosidade do momento que poderia ser de crescimento exponencial, como tudo que está acontecendo no mundo, a partir de 1992, incorporando o conceito de desenvolvimento sustentável emanado do Relatório Brundtland. Ficou o Amapá parado, estagnado, apenas no discurso, sem desenvolvimento nenhum, muito menos sustentável.
    Perdeu-se nas brumas do tempo a possibilidade concreta de um programa de desenvolvimento, ficando na teoria de um programa politico eleitoral, charmoso, mas sem evidencia prática nenhuma.
    O prejuízo de uma consciência ambiental equivocada é problema presente, mas tem origens no passado imemorial. A pretensa superioridade de nossa espécie, por contar com o atributo da racionalidade sobre a natureza, algo muitas vezes tido como distinto e inferior, foi uma das bases de nossa civilização e sofreu pouquíssimos questionamentos durante a história. Sem dúvida é um ponto central para a discussão de novos padrões econômicos, sociais e culturais garantidores de nossa existência enquanto espécie.
    No início da Idade Contemporânea, a Revolução Industrial e os avanços tecnológicos proporcionaram a exploração de recursos naturais em escala nunca antes vista. Toda a inovação ocorrida nesse período gerou a necessidade de extração de recursos como petróleo e cobre de maneira sistemática e em grande quantidade. Essa guinada tecnológica foi responsável por melhorias e crescimento econômico, mas também por grandes problemas que decorreram da falta de noção da responsabilidade acerca da necessidade de um crescimento ecologicamente viável e socialmente equânime.
    Construir uma sociedade sustentável não é tarefa fácil e demanda conscientização, uma mudança de acesso à informação e educação ambiental, sem esquecer é claro, em um uso mais eficiente e responsável dos recursos do planeta, garantindo o imprescindível desenvolvimento econômico, com a adoção de novos paradigmas, com a preservação da dignidade humana como valor inegociável.
    Certamente a transição para esse novo modelo sustentável não acontecerá de forma seca, muito menos pelo efeito gramatical de um programa de desenvolvimento, extraído de uma unanimidade mundial. Foram anos de formação do sistema atual, gerando em nossa sociedade maus hábitos profundamente arraigados. O funcionamento da sociedade de consumo deve deixar de ser predatório e inconsequente, gradativamente, para funcionar sob novos parâmetros, de um consumo sustentável, que demanda, entre outras coisas, uma mudança de comportamento, que não pode perder de vista as consequências de cada escolha que fazemos.
    Imersos na mentalidade da Revolução Industrial, os ingleses encaravam a poluição das fábricas como característica de uma civilização vitoriosa e próspera, e como diziam na época da Segunda Revolução Industrial, “onde há poluição, há progresso”, sem perceber os possíveis efeitos colaterais do modelo industrial, marcado pela desigualdade social e pelas péssimas condições de vida dos operários.
    Quando chegamos em Revolução Industrial, nos deparamos com todos os parâmetros de dimensionamento das mazelas ambientais atuais. Especialmente emissões gasosas geradoras do efeito estufa, e aí vamos aprofundar a sacada do BIDEN. Carbono Zero. É uma preocupação com o planeta ou apenas uma forma de fazer os outros trabalharem a seu favor? A Índia deu o tom do que deve ser feito mundialmente: mudar o estilo de vida e voltar às origens. Foi o único pronunciamento que entendeu que antes de controlar o clima é preciso controlar o crescimento populacional. Voltar ao velho tema da década de 60: controle de natalidade. Voltaremos a conversar em uma próxima oportunidade.

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