A ansiedade para voltar a consumir com o relaxamento das medidas restritivas: hora de reflexão sobre ser socialmente responsável. A pandemia não acabou

*Renata Ferraz. Psicóloga Clínica

A filosofia de Jean Paul Sartre já nos dizia “somos seres livres, porém condenados a liberdade” o que é uma dicotomia, já que somos responsáveis por nossas escolhas, porque nos permitimos ao aprisionamento das amarras sociais? O mundo moderno dita o tempo todo padrões a serem seguidos, influenciando diretamente nossas escolhas pessoais, profissionais, afetivas e aquisições de bens materiais, incutindo sempre no indivíduo a sensação de pertencimento a um meio social.

De fato, nós seres humanos somos motivados por nossa psiquê, inclusive na forma como consumimos ou descartamos, uma vez que sempre buscamos a satisfação do desejo imediato, regido pelo “princípio do prazer do eu”, fomentado pelo reflexo da globalização e do poder da mídia. Entretanto, o consumismo desenfreado torna-se patológico trazendo inúmeros prejuízos psicossociais e sintomas somáticos.

Ao nos deparamos com a necessidade de um isolamento social compulsório, houve na sociedade a provocação de várias reflexões, e uma delas é sobre o direito dos seres humanos e sua liberdade de ir e vir: é legitima ou uma violação ao direito constitucional? A polaridade política acirrou esses questionamentos, sem levar em conta o momento caótico vivenciado pela pandemia, no qual o interesse coletivo deveria sobrepor ao individual e/ou partidário, pois o compromisso maior é com a saúde pública e a manutenção da vida.

Confinados forçosamente, alguns indivíduos manifestam desamparo emocional, ociosidade e sentimento de raiva pela perda da liberdade, por isso como uma reação de reajustamento situacional, apresentaram sintomas reativos, tais como: a ansiedade, irritabilidade, tédio e desconforto diante da nova realidade vivida. Muitas dessas reações acabaram por comprometer suas funcionalidades psíquicas. A sensação de cerceamento da liberdade potencializa quadros clínicos compulsivos, uma vez que somos impedidos de realizar algo que nos traz contentamento.   

Na tentativa de minimizar os efeitos da privação social, encontrar uma válvula de escape para manter a saúde mental é tarefa árdua, pois temos dificuldades em lidar com nossas emoções, atendendo constantemente (inconscientemente) nossas compulsões compensatórias, excedendo-nos em compras desnecessárias, consumindo alimentos pouco saudáveis em demasia, exercitando-se a exaustão, fazendo uso de substâncias lícitas: consumo de bebidas alcoólicas, cigarros, remédios; e ilícitas: drogas, entorpecentes e anabolizantes com a finalidade de aliviar as sintomatologias de ansiedade e angústia. Já que todas compulsões, em maior ou menor escala, podem proporcionar uma gratificação momentânea que encobre os sentimentos negativos, que as seguem, como culpabilidade e/ou incapacidade de resistir ao impulso. 

Não podemos negar que o consumo faz parte da nossa sobrevivência e é um fator importante no processo de desenvolvimento econômico, pois aquece o mercado local, gerando emprego e renda. Contudo, a cultura do consumismo no qual estamos imersos foi desconfigurada durantes os anos e impulsionada hoje pela ideia que as aquisições/satisfações suprem falsos vazios existenciais, reforçada neste momento pelo distanciamento social e pela restrição à liberdade.

Ninguém nasce consumista, tal comportamento é uma ideologia forjada culturalmente e mentalmente para que se acredite que a sua autoimagem e/ou autoconceito são estereotipados através do que se consome, valorizando a cultura do “TER” em detrimento a do “SER”.  A inversão de alguns valores aliado a falta de controle emocional, dificulta o domínio do autoconhecimento psíquico corroborando para elevação de um consumo patológico, galgado meramente por um status social enaltecido por uma sociedade capitalista.

Com a flexibilização dos decretos municipais/governamentais e a reabertura do comércio observa-se nitidamente o comportamento consumista/compulsivo como uma necessidade de pertencimento social, visto que tudo que fazemos por escolha própria desencadeia um ganho secundário, suprimindo parcial e/ou total a insegurança e o medo do fantasma invisível do Coronavírus.   

Todavia, o relaxamento nas medidas restritivas não significa o término da pandemia e a retomada da normalidade. Inevitavelmente, haverá uma maior circulação de pessoas nos centros comerciais, aumentando novamente o índice de contaminação e as possíveis mortes prematuras. A ansiedade de voltar a consumir, leva muitos a esperarem horas em filas nas portas das lojas, shoppings, desrespeitando o distanciamento mínimo. Se não bastasse a aglomeração, muitos sequer usam máscaras de proteção, desrespeitando não somente decretos governamentais, mas também o convívio com outras pessoas que estão na linha de frente ao combate da COVID-19. 

Esse momento de reabertura gradual exige reflexão e conscientização por parte de todos: é uma excelente oportunidade de avaliamos nossos comportamentos e vontades diante ao consumo, não de modo automatizado e impulsivo, pois mediante à crise econômica vivenciada, temos a obrigação de realizar escolhas mais conscientes e socialmente responsáveis.

 

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