A “Reforma” do Código Florestal: Política de Terra Arrasada?

Por Alcione Cavalcante, Engenheiro Florestal

Nos próximos dias a Câmara do Deputado deverá votar as propostas substitutivas ao Projeto de Lei 1876/1999, elaborado pelo deputado Aldo Rebelo, motivo de grande embate entre o movimento ambientalista e os representantes vinculados ao agronegócio e em menor escala por outros segmentos da sociedade brasileira. O substitutivo pretende consolidar e contemplar um rol de demandas assentadas em pelo menos 42 iniciativas parlamentares em tramitação no Congresso Nacional, que propõem alterações isoladas ou simultaneamente, nas Leis 4.771/65 (Código Florestal), 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais, no que diz respeito aos crimes contra a flora), 11284/06 (Lei de Gestão de Florestas Públicas) e 11.428/06 (Lei da Mata Atlântica), principalmente.

Mudanças e debates apaixonados sobre o Código Florestal, não podem ser consideradas novidades. Com efeito, registro que o Código Florestal, aprovado pelo Decreto 23.793 de 1934, pleno Estado Novo, já suscitava polêmicas entre os extremados defensores do irrestrito direito de propriedade e os que, já naquele momento, vislumbravam  funções sociais e ambientais nas propriedades. Referido Decreto informava que as florestas constituem bem de “interesse comum (sic) a todos os habitantes, do paiz (sic), exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este código, estabelecem”.

De 1934 aos dias de hoje a legislação florestal vem sendo alterada sistematicamente, na maioria das vezes em prol da proteção às florestas e suas funções e dos serviços ambientais que prestam a todos, indiscriminadamente, inclusive às atividades agrícolas.  Dentre as mais importantes citamos o novo Código Florestal Brasileiro (Lei 4771/65) que deu consistência a politica florestal através de duas vertentes, no caso proteção e desenvolvimento florestal e a Medida Provisória 1511/96 (atual 2166-67/01) reeditada 67 vezes, que promoveu significativas intervenções no quadro legal, em especial em relação a áreas de preservação permanente e reserva legal, institutos estes especialmente caros ao movimento ambientalista. Do outro lado, no caso os ruralistas, o que foi definido como “regra de ouro” consiste basicamente em (1) viabilizar a redução das áreas de preservação permanente, (2) consolidar a utilização das áreas de reserva legal já convertidas e (3) a suspensão e se possível o perdão das multas associadas ao uso ambientalmente indevido da propriedade. Como se pode constatar, posicionamentos diametralmente opostos. O substitutivo proposto pelo deputado Aldo Rebelo, ao abraçar de forma explicita a maior parte das teses defendidas pelo agronegócio, evidentemente coloca-o sob o fogo cruzado dos mais diversos segmentos de amparo ao meio ambiental, desde os defensores dos pampas gaúchos aos dos lavrados de Roraima e da Mata Atlântica ao Pantanal. É muito chumbo, e do bom, especialmente pelo fato da estratégia do agronegócio optar por uma atuação de bastidor no Congresso Nacional, apoiada por eficientes lobbies da indústria que orbita em torno do setor rural, evitando o confronto de ideias junto à opinião pública, colocando o Deputado, pelo menos publicamente, como “o idealizador e defensor” das propostas.

Dos pontos controvertidos destaco as questões associadas a Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal. Tais institutos vicejam na legislação ambiental, pelo menos desde 1934. Registro que o Decreto n º 23.793, em seu art. 4 já estabelecia a existência de “florestas protectoras (sic) as que, por sua localização, servirem conjuncta (sic) ou separadamente para qualquer dos fins seguintes”, mencionando “conservar o regimen(sic) das águas”, “assegurar condições de salubridade pública”, entre outros. Ainda sobre as APP o art. 8 é ainda mais explicito como se constata “Consideram-se de conservação perenne(sic), e são inalienáveis(sic), salvo se o adquirente se obrigar, por si, seus herdeiros e successores(sic), a mantel-as(sic) sob o regimen(sic) legal respectivo, as florestas protectoras(sic) e as remanescentes.”

Com relação a Reserva Legal, o Código de 34 já destinava 25% das propriedades para tal finalidade, conforme transcrevo “Art. 23. Nenhum proprietário(sic)de terras cobertas de mattas(sic) poderá abater mais de tres(sic) quartas partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52.”.

Com o Novo Código Florestal (Lei 4771/65 e alterações posteriores) tanto as APP’s, quanto a Reserva Legal foram mantidas, atualizadas e redimensionadas em função das demandas e compromissos ambientais assumidos pelo País, e tiveram suas definições aprimoradas, reduzindo substancialmente as margens para interpretações díspares sobre suas funções e dimensões.

Segundo o Novo Código, área de preservação permanente é “área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Abrigadas neste mandamento estão as faixas de vegetação localizadas ao longo dos rios, ao redor de lagoas, lagos ou reservatórios artificiais, nascentes, topo de morros, encostas com declividade superior a 45°, restingas, bordas de tabuleiros ou chapadas e em altitudes superiores a 1800 metros. Além destas a lei faculta ao Poder Publico atribuir o caráter de preservação permanente a áreas destinadas a atenuar erosão, à fixação de dunas, à formação de faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias, à proteção de sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico e assegurar condições de bem-estar público, entre outros.

Com relação a reserva legal esta é assim definida “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”. A proporção da área de reserva legal em relação à propriedade varia em função da tipologia vegetal e da região onde se insere a propriedade. Na Amazônia Legal, no caso de florestas o limite mínimo é de 80% enquanto que para os cerrados amazônicos  este limite cai para 35%. Para as demais regiões a proporção se esvai para 20%, mesmo se tratando de vegetação tipicamente florestal, como é o caso da Mata Atlântica.

Destaco que , ao contrário das áreas de preservação permanente, a área de reserva legal é passível de utilização, desde que sob regime de manejo florestal sustentável, o que amplia significativa suas potencialidades, quanto exploração madeireira, manejo de produtos florestais não madeireiros, apicultura, ecoturismo, pesca esportiva, etc.

Aliada a questão legal, convêm destacar que existe consenso no meio técnico e científico da importância das APP’s como “áreas insubstituíveis em razão da biodiversidade e de seu alto grau de especialização e endemismo, além dos serviços ecossistêmicos essenciais que desempenham, tais como a regularização hidrológica, a estabilização de encostas, a manutenção da população de polinizadores e de ictiofauna, o controle natural de pragas, das doenças e das espécies exóticas invasoras” (ABC e SBPC, 2011). De igual modo com relação a Reserva Legal tem-se como certo que a redução da reserva legal “aumentaria significativamente o risco de extinção de espécies e comprometeria a efetividade dessas áreas como ecossistemas funcionais e seus serviços ecossistêmicos e ambientais” (ABC e SBPC, 2011).

Ainda que se admita como necessária a discussão e eventual reformulação de alguns tópicos do Código em vigor, esta deveria se dar no sentido de garantir a sustentabilidade , conter as perdas da biodiversidade, reduzir a degradação dos solos e dos recursos hídricos, valorizar os produtos e serviços ambientais e não sinalizar com possíveis estímulos ao desmatamento e à transgressão da norma, como parece ser o caso.

PS- Acabo de receber a notícia de que simples expectativa de reforma do Código já insufla as taxas de desmatamento na Amazônia.

 

 

 

 

  • coompanheiro alcione estas coberto de razão, nõ o vi em nhemhum momento esforços do nossos parlamentares, se posicionarem arespeito da votação do novo codigo, ´sauda de de nosa guerreira dep. janete.que sua volta seja já. abraço

  • Caro Alcione,

    Parabéns pela matéria e pelos esclarecimentos.
    Mas infelizmente a discussão sobre o Relatório do Deputado Aldo Rebelo tomou um rumo dicotômico, eu diria até maniqueísta entre ruralistas e ambientalistas. Deve-se ressaltar que esta discussão preservação versus produção não é nada nova. Consta que o primeiro crime relatado na Bíblia foi por ela motivado: Caim era um agricultor que lavrava e arava a terra e Abel era um pastor, e o final da história eu aprendi nas aulas preparatórias para a primeira comunhão lá em Alenquer. Antes mesmo de 1934, já se encontravam grandes debates sobre a questão, um belo texto sobre o assunto, salvo engano, é de autoria de Bonifácio de Andrada.
    É difícil haver consenso onde há grande conflito de intere$$e$. A sociedade está bombardeada por uma série de informações de que por um lado estão os ruralistas (entenda-se os grandes produtores), defendendo os interresses das multinacionais fabricantes de insumos agrícolas e de outros os ambientalistas, representando algumas nações que não querem que o Brasil torne-se a maior potência agrícola. Por essa dicotomia, fica difícil vc ter uma posição sem estar “vendido” para um dos dois lados. Um dia é um cientista dizendo que podemos ficar sem água em consequência de determinadas medidas que serão permitidas se o novo relatório for aprovado, no outro é um defensor do agronegócio dizendo que se não for aprovado vai diminuir a disponibilidade de alimentos, causando elevação de preços e fazendo pairar sobre a economia a volta da famigerada inflação. Ontem mesmo recebi um e-mail em uma fazenda de tulipas na Holanda sem uma árvore, com cultivos de parreiras não respeitando a margem de rios na França e na Alemanha. No outro dia é a informação de que o Basil é campeaõ do uso de agrotòxicos, onde de fato, muitos ingredientes ativos proíbidos em outros países, são liberados para comercialização aqui (ontem mesmo saiu algo na imprensa sobre a proibição do endossufam a aprtir de 2012).
    Quem está com a verdade?

    P. S. Diga ao Matta, que o bonde sem freio do mengão, em pleno Rio de Janeiro, foi atropelado por uma carroçinha puxada por dois burricos lá do Ceará.

  • Prezado Alcione,
    Sabemos que a discussão acerca do código florestal está permeada de interesses diversos e às vezes incomungáveis. Aquiescência às proposituras nefastas ao patrimônio ambiental nessa importante norma infraconstitucional tenderá a contaminar outros diplomas legais. Uma pena que nós, em nome das futuras gerações, que são os reais legatários do patrimônio natural e da biodiversidade, não tenhamos sido capazes de nos organizarmos em massa para fazer frente às correntes que têm o lucro imediato como prioridade. Parabéns pelo seu artigo preciso, rico, oportuno e inteligente. Um grande abraço meu amigo.

  • Valeu Alcione ! É importante comentar, esclarer.Pois para mim esse novo código é retrocesso…

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