Três amigos

Dom Pedro José Conti

Bispo de Macapá

Ali, Beri e Calan se encontraram pela estrada.

– Estou muito feliz – disse Ali – de caminhar por um trecho junto com vocês. Parece que todos nós estamos indo para o mesmo lugar.

– Eu não – disse Beri – vos deixarei antes.

– Que pena – continuou Calan – teria gostado muito de levar vocês para conhecer o lugar onde os meus irmãos criam ovelhas.

– Lamento que os nossos caminhos tenham que se dividir – insistiu Ali,- somos tão entrosados. Juntos, teríamos discutido muitas coisas. Afinal temos as mesmas idéias.

– Assim, trocando entre si declarações de afeto e de estima, os três chegaram a uma encruzilhada.

– Os nossos caminhos se dividem – disse, então, Beri com tristeza – Lembrem-se da minha amizade!

Quando o homem já estava longe, Calan falou assim para o amigo: – Quer saber? Beri é mesmo antipático. Fala demais e duvido da sua sinceridade.

– Estou plenamente de acordo – afirmou o outro – Me dá alegria ficar só com você, porque é um verdadeiro amigo. Aliás, gostaria poder encontrá-lo mais vezes.

Os dois chegaram a outra encruzilhada.

– Chegou o momento da separação – disse Calan chorando e abraçando Ali. Mas quando este ficou longe, deu um suspiro de alívio. “A solidão é melhor do que companhias cretinas”, disse consigo mesmo. E foi embora cantando.

Ter e ser amigos verdadeiros é difícil. Chegamos a pensar que seja impossível. Com certeza já fomos enganados, e quem pensávamos ser nosso amigo nos traiu sem o menor remorso. Nem tudo, porém, é tão triste. Em outras ocasiões o apoio e a solidariedade nos vieram de quem, talvez, nem teríamos imaginado. Assim descobrimos afetos antes pouco valorizados. Tem horas na vida nas quais precisamos muito dos amigos, mas tem horas também que devemos ser amigos. Sempre há momentos para receber e momentos para dar. É nessas horas de solidariedade e de partilha que descobrimos não somente se os outros são nossos amigos, mas também se nós mesmos sabemos ser amigos daqueles aos quais sempre declaramos, com palavras, a nossa afeição.

E a solidão? Cada um de nós tem o seu jeito de ficar a sós. Alguns gostam mais e curtem os momentos de solidão, aproveitando para organizar e avaliar a sua vida. Outros têm pavor de ficar sozinhos. Têm medo do silêncio, por isso prefere algum barulho em casa ou alguém por perto. Assim é a variedade do gênero humano. Contudo acredito que devemos ficar alertas se estamos nos dois extremos. Quem gosta demais de ficar sozinho, talvez tenha sérios problemas de relacionamento. Precisa aprender a conviver com os outros e, sobretudo, a enxergar o valor e as qualidades das pessoas; de outra forma acabará se isolando, cada vez mais, porque nunca encontrará ninguém perfeito e digno do seu amor. Para quem vive sempre no meio dos outros e sente necessidade de falar, nem que seja, hoje, mandando mensagem ou fofocando pela internet, vale a pena lembrar que também precisa de momentos oportunos de solidão. Momentos para construir a própria personalidade.

Aprender a nos olharmos por dentro é fundamental para sabermos quem somos, avaliar as nossas potencialidades e, também, reconhecer os nossos erros. Quem nunca faz isso corre o perigo de copiar o comportamento dos outros, de ficar na superfície da sua própria vida, porque não para para refletir e decidir com a sua própria consciência e responsabilidade. Sem perceber a sua vida pode lhe escapar das suas próprias mãos.

Tudo isso para lembrar que experiências como a da amizade e da comunidade não são simples. As palavras não são suficientes, é necessário acreditar no tesouro da amizade e na força da união. Para nós cristãos, reconhecer e acreditar que Deus é a perfeição do amor é decisivo para a nossa fé, mas também para o nosso esforço de viver a fraternidade e a comunhão. Se ousamos falar de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo é porque assim Jesus nos revelou o mistério do Altíssimo. Um só Deus em “pessoas três”, como canta um refrão popular. Nele se realiza a maravilha da unicidade – sem divisões e separações – e a maravilha da comunhão, sem contraposições e disputas. O nosso Deus não é um solitário, isolado, que se autocontempla o tempo todo – se é que nele existe o tempo. É uma perfeita comunhão de amor que, por isso, quis também comunicar-se. Não por necessidade, mas por gratuidade. A vida e o amor ganham valor e sentido quando são comunicados, oferecidos, doados! A fraqueza de Deus é o amor.

A nós resta aprender com Ele, a nos sentirmos amados para aprender a amar. Se não vamos conseguir entender tudo, podemos ao menos contemplar a maravilha da comunhão divina.  De nossa parte vamos aprender a acreditar nas nossas amizades para que não sejam falsas e superficiais. Vamos acreditar nas nossas comunidades, para sair da autossuficiência e do individualismo, males da modernidade.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *