ZPE do Amapá: verdades quase secretas

José Reinaldo Picanço

*Professor, Doutor em Ciências Sociais e ex-Secretário de Estado da Indústria, Comércio e Mineração

 

Tal como os relatos da mitologia grega, a ZPE do Amapá se arrasta num processo longo, cheio de interesses tortuosos demorando a se concretizar. Notícias desencontradas sobre esse tema vem sendo veiculadas pela mídia local e redes sociais nos últimos dias. ZPE ou Zona de Processamento de Exportação destina-se à instalação de empresas industriais voltadas ao comércio internacional, contando com incentivos tributários e fiscais, além de regime aduaneiro especial. Nossa contribuição propõe colocar um pouco de luz sobre o tema.

Na verdade, a primeira versão do Projeto de ZPE no Amapá foi apresentada na segunda gestão do governo Waldez, através de contratação de consultoria. No corte e cola apressado, na versão apresentada ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC, esqueceram até de retirar o nome de outro Estado. A área indicada para sua implantação também não atendia à um requisito essencial: a titulação do terreno.

Já na gestão de Camilo em 2012, nova proposta foi elaborado por uma equipe do GEA e protocolado no MDIC como “Projeto de Implantação da Zona de Processamento de Exportação do Amapá”, atendendo aos requisitos exigidos pelas normativas emanadas do Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CNZPE).

Dessa feita foi indicada uma área de quase 100 hectares localizada no Porto do Céu, transferida ao GEA pela AMCEL no final da década de 1990, como compensação pelo licenciamento de Projeto Eucaliptos e que precisava ser titulada em favor do governo estadual. Mas essa ação não foi concretizada a tempo, visto que ao longo dos últimos anos a transferência das terras da União ao Estado pouco avançou no âmbito no INCRA, marcado por sucessivas gestões controladas por prepostos de grupos políticos que atravancam o processo de regularização fundiária.

Ainda em 2012, ocorreu em Macapá o Seminário “ZPE Amapá: Oportunidades e Desafios” no âmbito da Amazontec/2012, onde palestrou a convite da SEICOM o então secretário-executivo do CNZPE, Gustavo Sabóia Fontenelle, que declarou a “ZPE hoje é um modelo no qual pode ser instalado qualquer tipo de indústria, mas nós pensamos em uma agregação de valor, a produção primária exportável (..) a produtos como ferro, cromo, manganês, madeira.”

Na oportunidade o secretário-executivo também informou sobre mudanças nas regras do jogo até então vigentes, passando a ser exigida a vinculação direta com empreendimento industrial de perfil exportador. Isso porque, o único estado que até então havia cumprido todas as exigências para a implantação de ZPEs, não dispunha de projetos industriais capazes de produzir bens a exportar.

Diante das novas exigências e da dificuldade em regularizar o terreno para a ZPE, priorizou-se concentrar esforços em áreas sob poder do Estado geridas pelo IMAP. Nessa perspectiva, durante o Seminário “Amapá: Logística e Offshore”, realizado em maio/2014, o Governador Camilo baixou decreto de criação e destinação de 700 hectares de área sob jurisdição do Estado do Amapá localizado na Ilha de Santana/AP, para a instalação de Terminais Portuários e Zona de Processamento de Exportação. Inclusive, assegurando para a infraestrutura da ZPE, o valor de R$ 20 milhões do empréstimo do BNDES.

Com essa iniciativa foram criadas as bases para a implantação de um polo de logística e industrialização em território amapaense, tendo o Governador Camilo proposto ao Prefeito Robson, fazer a gestão compartilhada da Companhia de Docas de Santana – CDSA, o que permitiria ao governo estadual e à iniciativa privada fazerem investimento naquele Porto. Olhando tão somente para as eleições de 2014, o prefeito de Santana recuou perdendo tempo de avançar com essa importante alternativa de desenvolvimento.

Para muito além dos discursos

Para avançar e enfrentar a crise o momento exige determinação, arrojo e cooperação entre diferentes esferas ou entes federados. Infelizmente não é isso que está acontecendo e corremos o risco de andar para trás mais uma vez.

Explico, para atender as novas exigências impostas pelo MDIC em relação as ZPEs, apoiou-se a empresa Cianport concedendo-se titulação e licenciamento ambiental, numa iniciativa que se propõe a trazer grãos do Mato Grosso para beneficiar e exportar pelo Porto de Santana. Ao mesmo tempo sofremos concorrência agressiva do Estado do Pará por atração de investimentos, visto que outra etapa desse empreendimento foi posteriormente lá licenciada, ficando estabelecido como condicionante que o acesso ao mercado externo seja feito num porto daquele Estado, prejudicando frontalmente o Amapá.

Além disso, decisões conflitantes de gestores do governo Waldez, sinalizam que voltarão atrás e irão se desfazer da área destinada à ZPE na Ilha de Santana. Numa visão míope e equivocada, parecem querer jogar fora uma área sob domínio do Estado e vital para a implantação e desenvolvimento de empreendimentos industriais e de logística.

Para que a ZPE do Amapá supere o mito grego da “Tela de Penélope” e não padeça de uma espera interminável, cada um precisa fazer a sua parte. Dito de outro modo, para viabilizar a ZPE tanto o executivo como os parlamentares têm de colocar foco no que realmente interessa. Os estudos iniciados em 2014 pelo IMAP e IEPA precisam ser finalizados para que ocorra o licenciamento e regularização fundiária da área dos terminais portuários e da ZPE. Convém ainda lembrar, que é preciso reagir às decisões do vizinho Estado Pará, que contrariam os interesses dos amapaenses e ferem o pacto federativo.

Do Prefeito de Santana, da administração da CDSA e da própria empresa, roga-se que não mais se esquivem e assumam verdadeiramente essa empreitada, que juntem-se ao executivo estadual para cobrar explicações oficiais do Governo do Pará, bem como recorrer nas cortes que arbitram sobre conflitos federativos. Dos parlamentares espera-se que entendam melhor o processo, e usem o púlpito e sua influência em defesa dos interesses do Amapá e que tragam mais recursos para aqui serem investidos.

Para além de um olhar focado tão somente no retrovisor ou no holofote eleitoral, espera-se dos gestores e mandatários de plantão, uma união em defesa do desenvolvimento do Amapá. É preciso pactuar uma gestão compartilhada do Porto de Santana, como estratégia para atrair parceiros públicos e privados que garantam recursos para investir na infraestrutura logística e produtiva daquele município e do Estado como um todo.

 

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