O agricultor e os três viajantes

Dom Pedro José Conti

Bispo de Macapá

Certa vez, ao anoitecer, um agricultor sentou-se à frente da sua humilde casa para aproveitar do frescor da noite. Ali perto passava uma estrada que levava à cidade. Um homem passou por lá e, vendo o camponês sentado, pensou: “Aquele homem deve ser bem folgado e preguiçoso. Fica aí sentado o tempo todo”. Em seguida passou outro homem, também viu o agricultor e pensou: “Veja o cara, fica só olhando e incomodando as moças que passam. Deve ser um mulherengo”. Por fim passou um terceiro homem, quando viu o agricultor pensou consigo mesmo: “Aquele homem deve ser um trabalhador. Está merecendo o seu descanso”.

A bem da verdade, nós não podemos dizer muito sobre o camponês sentado à porta da sua casa. Em compensação podemos dizer muito dos três homens que passaram. O primeiro devia ser um preguiçoso, o segundo um mulherengo e o terceiro um trabalhador

Não tem jeito. Nós vemos os outros como nós mesmos somos. As nossas ideias, ideais e posição social, são como lentes coloridas que filtram tudo o que estamos vendo. Tudo passa pelo filtro do nosso entendimento.  Quem vive na dúvida acha que não existem convicções, e pensa que os outros estão fingindo. Quem não acredita com sinceridade suspeita que os outros também estejam mentindo. Quem ama de maneira interesseira, e nunca faz nada por nada, tem medo de ser enganado e que os outros se aproveitem dele.

É por isso que é tão difícil contemplar a Santíssima Trindade. Disse contemplar e não entender, porque nunca chegaremos lá. Deus, na sua plenitude, nunca estará totalmente ao nosso alcance. Nós continuaremos sempre a ser as criaturas e Ele o criador.

Contudo, na sua bondade, Ele quis e quer que participemos da sua grandeza e da sua intimidade. Fez-se conhecer, revelou-se claramente levando em conta as nossas limitações na compreensão, na inteligência, no amor.

Nós exaltamos as diferenças, as particularidades. Queremos sempre ser melhores que os outros. Assim é difícil entender um Deus que, ao mesmo tempo, é misteriosamente único e em três pessoas. Nós queremos a nossa felicidade e, mesmo quando a procuramos juntos, reclamamos a nossa parte. Para nós buscar o bem do outro antes do nosso é sempre muito complicado. Para Deus não. O Pai, o Filho e o Espírito Santo não disputam nada entre si, doam-se totalmente, ninguém quer nada para si. Assim Deus é a felicidade perfeita.

A obediência, para quem ama, não é um peso, é resposta a quem também o ama. Por isso, o Filho obedece ao Pai e o Pai o glorifica. Mas  o Pai escuta o Filho que exulta no Espírito Santo. Para nós autoridade vira facilmente autoritarismo. O poder, quando não é colocado a serviço do bem comum, torna-se opressivo, imposição, ameaça para todos. Em Deus o poder está sempre no servir ao outro, em fazer que o outro seja feliz. Assim Deus é comunhão perfeita que, por amor e em total gratuidade, comunica o seu amor  à humanidade.

Para compreender o que é belo e o que não é precisamos ter contemplado algo de verdadeiramente belo. Sem essa experiência, o nosso costume à mediocridade nos fará achar belas obras medíocres, ou até horrorosas. A verdadeira beleza não cansa, a feiúra enjoa. Nunca cansaremos de contemplar a beleza da Santíssima Trindade.

Ainda bem que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Assim podemos falar dessas coisas e sentir a saudade de como deveríamos ser. É ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo que devemos olhar para aprender a amar, a servir, a criar uma nova humanidade liberta do pecado e da morte, porque liberta do egoísmo, da ganância, do ódio e de todas as rivalidades.

Quem sabe enxergar alguém melhor do que ele é sente desejo, também, de ser melhor. Até quando ficarmos sempre julgando os outros, e até Deus, por nosso ponto de vista, e somente dele, pouco entenderemos de sua grandeza e riqueza. Se olharmos somente a nós mesmos, ficaremos também mais pobres, piores e infelizes.

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