Flexibilização Ambiental

*Marco Chagas. Doutor em Gestão Ambiental

O rompimento das barragens em Mariana/MG, a não recuperação das áreas degradadas pela mineração em Serra do Navio/AP, o alagamento da cidade e a morte de peixes em Ferreira Gomes/AP são sintomas de uma mesma causa: a flexibilização ambiental.

A flexibilização ambiental apresenta uma vertente técnica e outra política. A técnica diz respeito ao despreparo e descaso com que as instituições operam os instrumentos da política ambiental, incluindo quem executa e quem fiscaliza. A política ambiental apresenta um complexo aparato de normas e procedimentos operacionais que implica na necessidade de quadros técnicos altamente especializados, incluindo o desafio de se impor diante do apelo do discurso do desenvolvimento camuflado de “sustentável”.

A outra vertente da flexibilização ambiental está associada ao esvaziamento da dimensão política da questão ambiental sob a retórica de que a política ambiental é obstáculo ao desenvolvimento. Nesse caso, as instituições se aliam aos negócios, flexibilizando a questão ambiental em favor do lucro fácil e das negociatas que operam por dentro das instituições. Um dos sintomas é a discricionariedade na condução da política ambiental (síndrome de Luis XIV), o aumento dos riscos e impactos e a consequente proliferação das multas e dos termos de ajustamento de conduta que nunca reparam os custos ambientais e sociais dos impactos gerados.

No Brasil, não se paga administrativamente multa por crime ambiental, principalmente quando os valores são elevados. As empresas preferem a judicialização por questões óbvias. Assim aconteceu com as multas aplicadas a empresa Icomi no Amapá e acontecerá com as multas aplicadas pelo IBAMA a empresa Samarco em Minas Gerais.

A institucionalização da multa e dos termos de ajustamento de conduta é a mais evidente demonstração de ausência de política ambiental, pois fere de morte os princípios da precaução e da não regressão em matéria ambiental, legitimando o crime ambiental diante da culpabilidade justificada pelas “incertezas”.

O problema da vertente técnica da flexibilização ambiental é solucionável: qualificação e instrumentalização. Quanto a vertente política, esse parece o mais perverso sintoma da flexibilização ambiental que parece camuflar o que está verdadeiramente em jogo: a apropriação privada dos recursos naturais sem a repartição justa dos benefícios econômicos.

Resgato de um artigo de Acselrad et. al. (2012) publicado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra/Portugal, trecho do documento conhecido como “Memorando Summers”, redigido pelo então economista chefe do Banco Mundial e vazado às vésperas da Conferência Rio 92, explicitando o que está por trás da flexibilização ambiental: “duas razões justificam a transferência das indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos: i) os mais pobres não vivem o tempo suficiente para sofre os danos ambientais; ii) as mortes nos países pobres têm custos menores que nos países ricos”.

A cena ridícula da Presidente Dilma aplicando as multas na empresa Samarco é uma das estratégias de maquiar a flexibilização ambiental do País e dar uma resposta política para a mídia global. A resposta técnica nunca existirá e ficará oculta pelas indenizações materiais dos que perderam e continuarão perdendo, quer pelos passivos ambientais, quer pela previsibilidade da próxima tragédia.

  • Só faltou dizer que ele participou da elaboração dos estudos de impactos ambientes e relatava que não haveria impacto ambiental.

  • A distancia entre a prática e a teoria é a mesma que separa o remédio do veneno: a dose. Mesmo podendo ter participado dos EIA-RIMA, como integrante de uma equipe multidisciplinar, o Doutor Marco sabe o que escreve.
    Esses fatos, em maior ou menor escala se repetirão pelo mundo afora. Enquanto existir desigualdade econômica e social, será assim.
    Parabéns Dr. Marco pelo artigo. Na mosca!

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