Em honra a Mnemosine: “Macapaba, equinócio solar, viagens fantásticas ao meio do mundo”

*Dorival da Costa dos Santos

O começo da construção do enredo Macapaba. Teko Lemos com Joãozinho Trinta e Milton Cunha

A mitologia urbana diz que Arthur de Azevedo Henning, um obscuro governador do Território Federal do Amapá (01/04/1974 a 15/03/1979) em uma sombria época da nossa história, dizia que: “o Amapá não tinha história, apenas anedotas”, descontando a estupidez da frase, típica de uma mente esquálida, quando a confrontamos com a realidade da (des)preocupação que dedicam o poder público e a sociedade civil amapaense à nossa memória, à nossa história, à nossa cultura e ao patrimônio desse nosso rincão, uma dúvida brota no nosso espírito: teria razão o nosso governador alienígena? O Amapá é a única unidade da federação que não tem um arquivo público. Nossos museus – excetuando, talvez, o Museu Sacaca – estão abandonados e sucateados. Nosso maior patrimônio histórico a Fortaleza de São José de Macapá é subvalorizada. Nossa memória é absolutamente desprezada pelo Poder Público, e sobrevive em heroicas lutas de alguns cidadãos e organizações civis, enfim.

Faço essa introdução, para expressar meu elogio público à Escola de Samba Piratas da Batucada que hoje (20/01/2018) homenageia com uma festa maravilhosa os 10 (dez) anos do monumental desfile da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis com enredo versando sobre a cultura e a mitologia amapaense.

Há pelo menos 01 (um) ano, eu, Raimundo Sergio Moreira de Lemos, o Teco e Emanoel Oliveira vínhamos tentando sensibilizar as autoridades governamentais para produzirem uma programação comemorativa para celebrar esse momento, que foi, sem sombra de dúvida, o maior momento de exposição positiva nacional e internacional do Amapá. O resultado de nossos esforços, foram absolutamente nulos. Não fosse a Piratas da Batucada, essa efeméride iria passar em branco.

Por outro lado, observo que todo mundo elogia a iniciativa da celebração, tece loas ao desfile da Beija-Flor como se o evento tivesse caído do céu, não observei ninguém perguntar: “ei gente como nasceu essa ideia do desfile da Beija-Flor sobre o Amapá?” Ah! Que interesse tem a história? Interessa é a festa!!

Mas como disse Umberto Eco: a função social do intelectual é perturbar o conformismo, ou Morfeus em Matrix, ser o espeto da mente, vou me dispor a fazer um breve inventário fatual da origem do desfile de 2008 da Beija-Flor de Nilópolis.

Teko e Ney com Alexandre Louzada

Antes de mergulhar nos fatos propriamente ditos das origens do desfile, destaco que um dos diferenciais que qualificam a Escola de Samba Piratas da Batucada é sua preocupação desde pelo menos os anos 80 do século passado com o intercâmbio com agremiações carnavalescas do Rio de Janeiro (Mangueira, Mocidade, Imperatriz, Beija-Flor etc.) e com a crescente qualificação técnica de seus desfiles.

Eu, Teco, Emanoel Oliveira, entre outros, como membros da nova geração de dirigentes, sempre tivemos essa preocupação: com nossa própria qualificação e atualização no que tange a cultura de escola de samba, como da qualificação da nossa agremiação. No bojo dessa disposição, em maio de 2006, o Teco, então Coordenador de Cultura da Prefeitura de Macapá, me procurou e falou da realização, no final de novembro e início de dezembro de 2006, do primeiro grande evento acadêmico sobre carnaval (I Congresso Nacional do Carnaval), que seria realizado no Campus da Universidade Estácio de Sá na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro e me perguntou da minha disposição em ir para o evento. Aceitei de pronto e decidimos convidar o máximo de dirigentes das outras escolas para irmos em caravana para o Congresso.

O nosso convite não foi recebido pelos confrades das outras agremiações carnavalescas, com o mesmo entusiasmo que nos alimentava. E por fim acabamos por ir somente eu e Teco representando ao Amapá.

I Congresso Nacional do Carnaval, realizado nos dias 30 de novembro e 01,02 e 03 de dezembro de 2006, tinha como objetivo efetuar uma ampla discussão sobre os aspectos artísticos, culturais, econômicos, políticos e acadêmicos do carnaval. Nosso objetivo – meu e do Teco – era participar do maior número possível de eventos e estabelecer o maior número de contatos e articulações com personalidades do meio carnavalesco carioca e nacional, para turbinar nossa network que, aliás, já era respeitável.

Para otimizar nossa participação decidimos que cada um frequentaria um evento (palestra, oficina, debate etc.) diferente e anotaria, coletaria material e estabeleceria pelo menos um contato novo em cada sessão frequentada por nós.

Para a nossa sorte, no dia 02 de dezembro, das 10h as 12h, fomos juntos para a mesa redonda “Montagem de Carnaval: Mão na Massa” mediada pelo Milton Cunha (carnavalesco), com palestras de Samuel Abrantes (figurinista), Alexandre Louzada (carnavalesco) e Joãozinho Trinta (carnavalesco).

Ao terminar a sessão, pedimos ao Alexandre Louzada uma foto para a nossa memória da participação no evento. Como ele estava muito assediado, receamos perder a oportunidade do registro, comentamos com ele que tínhamos vindo de muito longe e não gostaríamos de perder aquela oportunidade para registrar o encontro com um artista que éramos fãs, em razão disso Louzada nos perguntou de onde erámos, quando dissemos que tínhamos vindo do Amapá, o homem levou uma espécie de choque, chamou um de seus assessores e pediu para nos levar para uma sala reservada que ele gostaria de ter uma conversa importante conosco. Ficamos curiosos com o que seria.

Na conversa, Louzada nos falou que alimentava um desejo de colocar na pista um enredo sobre o Amapá, disse que já tentara contatos formais com a Prefeitura de Macapá e o Governo do Estado, mas não obtivera êxito. Perguntou-nos se não podíamos servir de intermediários junto ao Poder Público Amapaense para viabilizar essa ideia. Aceitamos de pronto, eu na qualidade de Secretário de Planejamento de Santana e o Teco na de Coordenador de Cultura de Macapá, imaginamos ter qualidade suficiente para articular e viabilizar essa ideia, teríamos que correr contra o tempo, no final de 2006 o enredo de 2008 já estava definido, mas se fechássemos o acordo, ainda haveria tempo de mudar. Perguntamos ao Louzada por que o Amapá? Ele nos disse que concebia nossa terra como um lugar do maravilhoso e exuberante.

Ao chegar ao estado, tentei com o Nogueira, então prefeito de Santana e meu chefe que achou a ideia lunática e não levou a sério a proposta. O Teco conversou com o João Henrique, então prefeito de Macapá que não pestanejou, aceitou na hora a ideia. Comunicamos ao Louzada a novidade. Ele por sua vez, tinha resistência interna da Direção de Carnaval da Beija-Flor para redirecionar o enredo de 2008. Como o Neguinho da Beija-Flor era nosso amigo de longa data e frequentador assíduo do Amapá, com enorme carinho por nossa terra, além do que tinha muita influência junto a direção da escola, o convencemos para nossa ideia. Ainda em dezembro, uma reunião no Rio de Janeiro entre o staff da Prefeitura de Macapá e o da Beija-Flor, sob a batuta do seu Anísio Abraão Davi, fechou os detalhes do acordo. Quando a notícia se tornou pública, caiu como uma bomba no meio cultural e na sociedade amapaense, o Governo do Estado no curso das articulações entrou como parceiro e a Beija-Flor foi a grande campeã de 2008 com um dos seus melhores carnavais e um samba-enredo belíssimo, bem, mais isso é outra história que ainda pretendo contar.

Com a bandeira de Piratas em Ipanema. A turma de Piratas compareceu ao desfile da Beija-flor

DORIVAL DA COSTA DOS SANTOS (NEI) Advogado, professor universitário, mestre em história social pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, doutor em sociologia e direito pelo Universidade Federal Fluminense-UFF, ex-presidente da Escola de Samba Piratas da Batucada.

  • Toda estória contada geralmente esquecem um personagem, foi exatamente o que aconteceu comigo que ciceroniei o Joãozinho Trinta num sobrevôo sobre o Amapá inteirinho, ai é preciso dizer que quem não gosta de aparecer não aparece e é esquecido. Então…

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