Do perfume das cerejeiras às marcas em uma cidade. Carol, Marcelo e ViVi: Recebam o nosso amor

Por Maria Emília – Advogada, Professora do Curso de Direito da Unifap.

I know I was born and I know that I’ll die
The in between is mine
I am mine
(Eddie Vedder)

Cerejeira

Mãe ainda na adolescência, (seu filho Marcelo nasceu no dia em que ela completara 17 anos), Carol casou muito cedo com seu amor de juventude e foi viver com ele no Japão, de onde recordava da beleza e do perfume das cerejeiras em flor, da vida neurótica e atribulada, das lições da cultura oriental e onde adquiriu a habilidade de “dissociar” a mente do corpo, uma capacidade incrível que tinha de abstração que a fazia viajar em pensamentos e se transportar a outros lugares enquanto o seu corpo, autômato, apertava parafusos na fábrica de aparelhos eletrônicos, quatro a cada quinze segundos, dizia ela. Posteriormente separou-se e voltou ao Brasil para fazer o curso de direito, onde conheceu seu marido Pedro, que fora seu professor e viveu com ele uma relação marcada por intenso companheirismo e amor

Em Macapá, exerceu com maestria a nobre profissão com que sonhara: o magistério superior, atuando na formação acadêmica de seus alunos, falando-lhes não somente por meio dos conteúdos ministrados, mas também por seu exemplo de ânimo, alegria, retidão e força para o trabalho; mesma postura que possuía junto aos colegas de Ministério Público, li em algum lugar que quando chegava para trabalhar diziam: “Lá vem o trator!”; a expressão é adequada também para defini-la em sua vida pessoal, pois apesar de muito jovem (35 anos), já possuía uma biografia recheada de acontecimentos e fatos importantes, era intensa e curiosamente (ou não) tinha muita pressa, quando via alguém demorar mais do que o esperado em alguma tarefa dizia: “Apura! Apura!”; à mesa era vegetariana, cozinheira de pratos simples e deliciosos e como toda boa “barriga verde” (nativa do Estado de Santa Catarina) adorava comer pinhão cozido, mesmo admitindo ser: “um troço que não tinha gosto de nada”.

O Marcelo, que foi alfabetizado em Japonês (e que ainda conseguia rabiscar e entender alguma coisa nessa língua) e era chamado de Máru pela mãe (por referência ao modo como seu nome era pronunciado por seus colegas e professores no Japão), era menino educado e fácil trato, de fala mais mansa do que o normal (coisa que, aliás, mais o caracterizava), tinha olhos puxados (lembrando sua ascendência) que sempre traziam uma expressão leve e afável, ia ser pai e preparava-se para casar com a namorada, batalhar e correr atrás juntos, como diziam muito animados e com um certo temor e expectativa naturais diante de tantas novidades e incertezas. E o que dizer da doce Vitórinha? De seu sorrisinho pequenino, seus risinhos curtinhos (sempre cobrindo a boca com a mãozinha, num gesto que remetia instantaneamente à sua herança nipônica) e portanto indefectíveis, sua meiguice e a voz baixinha que lhe era peculiar; a não ser lembrar que sua breve existência nesse plano foi marcada pelo imenso amor que recebeu de todos os que a cercavam.

Nem mesmo o seu assassínio absurdo, por pessoa (a quem tinham como) amiga justamente no lugar em que se sentiam mais seguros, o próprio lar, poderá destruir ou apagar suas existências, estas prosseguem, ao final, somos todos imortais, apenas somos remodelados, reconfigurados, reinseridos, e assim permanecemos no longo percurso que nos conduz inexoravelmente à marcha evolutiva, meritória e universal; os golpes mortais não foram capazes de lhes tirar a vida que viveram, as experiências e os aprendizados acumulados, as características, as suas individualidades e menos ainda o espaço que ocupam em nossos corações e memória; tudo isso ainda lhes pertence, a crueldade da mão assassina não foi (nem jamais seria) capaz de macular-lhes o espírito.

E quanto aos que ficaram? Como farão seus familiares para seguir com o pesado fardo de tão duras perdas? Como conseguirá o pai (que ficou impossibilitado de vir ao País para se despedir dos filhos) metabolizar sua imensurável dor? O marido, como será capaz de suportar suas ausências? A namorada, de onde tirará forças para lidar com a saudade e para gerar e criar o filho que espera? Os amigos, como apagarão seus números de telefone da agenda? Seus colegas de trabalho ou de estudo, como poderão encarar as cadeiras e mesas vazias? Os companheiros de fé o que farão para manterem-se firmes ante tão difícil prova?

E a nossa cidade? O que fará para lidar com as marcas indeléveis desse horror? Não raro ouço alguém dizer que as pessoas do convívio do assassino confesso o defendem, estão perplexas, em nada conseguem acreditar, pensam “meu Deus, se não podemos confiar em quem conhecemos, vimos crescer e convivemos, em que poderemos confiar?” Esta é aliás a mais assustadora perspectiva dessa tragédia, a que mais nos fere e corta a própria carne; tenho ouvido tantos relatos de famílias que passaram a dormir inteiras em um único quarto, pessoas que não podem pregar o olho a noite inteira, atentando-se a qualquer ruído; e ainda pais e avós que juram não mais deixar seus filhos e netos dormirem em casa de ninguém e o que é pior, que não os deixaram mais ter amigos por medo de serem eles também vítimas de tão terrível traição.
Será que podemos negar a existência da força da verdadeira amizade, nos privar e aos nossos pequeninos da alegria do convívio social, do companheirismo e do carinho e suporte dos amigos que conquistamos que tornam a nossa existência mais leve e feliz, sejamos cuidadosos sim, mas não amargurados e infelizes solitários sem ter com quem dividir as angústias e conquistas da vida.

Fica a lição de Carol e sua linda família, vivamos a vida com intensidade, foco e sabedoria, pois o trajeto que percorremos, a história que escrevemos, as conseqüências do amor ou da dor que distribuímos, tudo isso nos pertence e de nós depende para existir, não poderá ser ceifado ou roubado por ninguém
Carola, Máru e Vivi, sigam em paz, recebam o nosso amor e as boas energias e vibrações que emanam de nossas preces e nossos corações.

  • Lindo texo, nos faz refletir…
    Tenho certeza que essa família está em um lugar abençoado ao lado do Pai.

  • Desde que aconteceu esse caso, chorei algumas vezes… mas desta vez, lendo esse texto, parece que chorei o que ainda não havia chorado… Talvez uma sensação de alívio, de ter realmente certeza de que eles estão bem, ao lado do Pai. A saudade, com certeza, ficará. Mas a certeza de que estão na Paz é maior. Pensei que só a rotina de minha casa havia mudado. Parece que não estou sozinha nessa paranóia! Infelizmente é essa a palavra: paranóia. Imaginar coisas, ouvir barulhos… Que horror viver assim! Sair de casa, às vezes, melhor não!!! Mas ficar em casa tbm é risco… O que fazer então??? Só nosso Pai fiel para nos confortar e nos guardar!!! Pai, abençoe a autora deste lindo texto, bem como sua família!!! E coloque em seus braços Carol, Vitória e Marcelo!!! Um abençoado dia a cada um de nós!!!

  • Sempre acreditei q cada um de nós veio a este mundo com algum próposito,para evoluir espiritualmente, e por este motivo alguns encontros ocorrem em nossas vidas, mas até agora não consegui aceitar o q ocorreu, principalmente com a criança.

  • Gente que lindo ! Nós que somos mães, que somos filhos, andamos num tempo de corações angustiados.Oremos…

  • Os assistentes de acusação poderíam lê-lo no tribunal, quando do julgamento. Imaginemos um filme dos três ao áudio desse belo texto. Que maldade fizeram com a Professora Caroline e seus filhotes!

  • Emília,

    A Carol e filhos: Que Deus os tenha em um bom lugar, e de lá, recebe o nosso carinho.

    À você Emília: Parabéns por traduzir na escrita, as nossas angústias, dores e sentimentos.

  • Não posso deixar fazer um comentário, até mesmo para alertar aqueles que aqui ainda estão. Grande dedicação da mãe ao trabalho, à carreira e pouco tempo para sentar e observar a família, os filhos. Um menino doce, de gestos doces, de simpatia contagiante, cheio de ingenuidade e timidez, tudo que um psicopata precisa para agir. Parem um pouco só pra olhar seus filhos, observar em volta, analisar os perigos. Esse mundo vai muito mal.

  • Emília,
    Excelente mensagem de carinho e otimismo.Em paz com Deus deve estar Carole seus filhos.
    Abs
    Alcione

  • Que Deus receba os nossos irmãos Carol, Marcelo e Vivi, em sua Glória Divina, onde não existe dores e nem sofrimentos.
    Mas que os homens aqui na terra façam justiça aqueles que impuseram suas partidas dessa vida com brutalidade e perversidade. CADÉIA PARA OS ASSASSINOS!!!!

  • Esse texto foi muito bem inspirado por mão divina, ainda estou enxugando as lágrimas. Já passei noites sem dormir e olhando para a porta da casa, verificando se está tudo fechado, desde o que aconteceu com a familia da Professora. Vejo meus filhos dormindo peço a Deus proteção toda hora. Fui aluna de Karol e estou abalada com essa tragédia. Só Deus poderá confortar os nossos corações.

  • Quando aconteceu essa tragégia eu fiquei engasgada, procurando explicação para o fato.Só agora consigo escrever algo e parabenizar a autora deste texto.
    No dia do crime meu marido viajou e então dormi sozinha com meu filho de 13 anos, e foi uma noite interminável, e cada despertar no meio da noite eu o abraçava e o trazia para bem perto de mim, para me certificar de que ele estava protegido.
    Mães, pais, familiares, vamos trazer nossos filhos bem pra perto, não os deixemos escapar de nosso controle. Mesmo crescidos eles precisam de nosso carinho e atenção.
    Que Deus reserve um lugar sereno para essa família.

  • Maria Emilia
    O seu texto é memorável. Serve de reflexão para todos nós que o lemos. A Karol era “um trator”, como eu escreví neste blog a respeito dela e, assim era conhecida no nosso meio. Era o “braço reito do MP Comunitário”, pois “fazia acontecer”. Como superar tudo isso? Só Deus, na sua infinita bondade pode resolver. Parabéns pelo belíssimo texto em que mostra verdadeiramente quem era nossa amiga.
    Paulo

    • Professor, eu não lembrava que era aqui mesmo no blog Repiquete que eu tinha lido que o pessoal do MP chamava a Carol de “trator”, pois li muita coisa sobre o caso em tantos blogs. Agradeço as suas palavras e desejo muita força à vocês colegas de trabalho dela para lidar com essa perda.

  • Belo e comovente…
    Conhecer um pouco mais dessas pessoas, torna esse crime ainda mais brutal. Aperta no peito tamanha barbaridade. Faz acreditar na justiça dos homens, mas faz ter mais certeza ainda na justiça de Deus.
    Jesus disse: “Vem a hora em que todos os que estão nos túmulos memoriais ouvirão a sua voz [de Jesus] e sairão.” (João 5:28, 29)
    http://www.watchtower.org/t/20060315/article_02.htm

  • Ao ler esse texto, me identifiquei com umas das famílias que estão amedrontadas com o ruído do lado de fora. Peço a DEUS todos os dias que acalme nossos corações e nos dê muita força para superar as armadilhas do inimigo.

  • Em meio a tudo isso, inevitavelmete refletimos sobre o que está acontecendo com as nossas familias, com toda a tecnologia que temos hj, que facilitam sim as nossas vidas, mas que tb nós afastam das pessoas. Pais e filhos muitas vezes passam um dia inteiro sem se quer trocarem uma palavra, as refeições são feitas cada um em seu quarto, na frente da TV, ou em frente ao video game… Repensemos… ainda é hora de mudar tudo isso, os valores estão se inveterndo, quem ainda se esforça para manter uma família tradicional é taxado de louco, arcaico, etc… Já dizia minha avó: Quem leva seus filhos para igreja, não os visitará na cadeia. Mostremos aos nossos filhos o Amor de Deus, os primeiros ensinamentos que nossas crianças tem são dentro de casa, o mundo precisa de AMOR, DEUS É AMOR…

  • Lene, muito obrigada por você ter cedido o espaço no seu blog p/ publicar o texto escrito com tanto carinho sobre a família da Carol, agradeço às pessoas que perderam um tempinho do seu dia p/ lê-lo e àquelas que deixaram comentários tão carinhosos e emocionados; desejo à todos nós e especialmente aos famíliares das vítimas muita luz e sabedoria p/ enfrentar esse momento tão difícil.

  • Em meio essa tragédia és que surge a publicidade de um ser humano provido de imensas qualidades, amada por amigos e familiares. Carol era mãe amorosa, trabalhadora incansável e com certeza (pelas inúmeras manifestações) cultivava a fraternidade. Que a prática de vida de pessoas da qualidade de Carol seja esteio para continuarmos acreditando no amor e na solidariedade! Parabéns pelo texto e que o bem prevaleça sobre o mau!

  • PARABENS EMILIA PELO LINDO E COMOVENTE TEXTO, POIS, ATÉ CHOREI, SÓ DEUS PARA CONFORTAR NOSSOS CORAÇÕES DE UMA BRUTALIDADE TÃO PERVERSA. QUE CAROL, MARCELO E VITÓRIA ESTEJAM SOB AS BENÇÃO DO SENHOR. E AOS PAIS DO ASSASSINO, QUE DEUS TENHA MISERICORDIA, POIS, NÃO SÃO CULPADOS E TENHO CERTEZA QUE A VIDA PARA ELES ACABOU. AMÉM

  • EMILIA
    Parabéns pelo texto belo e verdadeiramente fiel à memória daquelas pessoas que tanto amamos.uma homenagem justa!
    A cada dia que passa e a saudade aperta, eu me apego mais e mais nas lembranças mais lindas que eu tenho dos 3. Eu costumava me surpreender logo nos primeiros dias de convivência, sempre que o Marcelo e a Vi pulavam da cama para abrir a porta da casa e receber a mãe sempre que ouviam o barulho do carro todos os dias. E antes de qualquer coisa a saudavam com um “boa noite” seguido de um beijo e “eu te amo mãe!”.Ou dos freqüentes “obrigado mãe” por coisas tão comuns do dia-a-dia.
    Uma família unida e repleta de amor e harmonia. Isso me chamava muita atenção neles, eles eram intensos e isso fazia com que cada momento na companhia deles fosse agradável e inesquecível.
    A verdade é que mesmo eu não entendendo como um homem foi capaz de tirar a vida de 3 pessoas como a Carol, o Marcelo, e a Vi. Tão maravilhosos, amados, cheios de vida e de planos. Eu costumo me confortar em saber que eles viveram plenamente cada um dos seus dias. Eles amaram e foram amados.

  • Estejam ao lado de Deus, Marcelo e Vitória Konishi e nossa grande amiga, professora e profissional Caroline Camargo.
    Nós entendemos vocês e sabemos de cada momento dessa grande batalha bravamente lutada por vocês chamada “VIDA”.
    Vocês saíram vitoriosos, por mais que tenham ido tão cedo.
    Carol o que dizer de você, a cada momento de sua íntegra e valiosa amizade, desde que te conhecemos, você sempre foi uma pessoa extremamente sincera, companheira, radiante, correta, amorosa, delicada, inteligente e fiel! O seu valor era e vai continuar sendo por toda a nossa vida algo imensurável, sem uma definição exata. Você nos ensinou muitas lições, nos trouxe muita sabedoria, mostrou a verdadeira face da vida e em outros momentos nos enfeitou a dura realidade. Você sonhou. Um sonho gigante, maior que qualquer coisa nesse mundo. Você sonhou com a “JUSTIÇA”. E essa tal de justiça é um sonho mesmo, pois foge de nossa realidade.
    Amiga, professora, mãe, irmã, companheira, saiba que sua memória e a de seus frutos jamais serão esquecidos, pois os verdadeiros amigos existem e nós manteremos a chama acesa, em nossos pensamentos e em nossos corações!
    Vão em paz grandes “GUERREIROS”!

    Nós amamos vocês.

  • Muitas pessoas me conhecem, mas bem poucas sabem a respeito de minhas crenças. Sou da mesma religião que a Carol e sua família, na verdade somos uma grande família. Não foi nada fácil ter participado de uma tradicional reunião dos dias das mães no sábado, onde foram feitos diversas homenagens, e depois não ter podido estar lá no momento certo e na hora certa. Na festa dos dias das mães acredito que tenham sido feito os derradeiros registros fotográficos dos três. Mas o que posso dizer é que estamos bem. Aquela frase “a vida continua” tem que fazer sentido mais do que nunca. Acreditamos que cultivando o lado bom deles auxiliará no seus retorno deles para este plano, de onde recomeçarão do ponto em que pararam em um caminho cheio de Luz, de Paz e de Amor.

  • lamento de coração esta tragédia mais gostaria de pedir a Justiça deste Estado aos senhores Delegados de Policia, Promotores, Juizes que também tivesses o mesmo impeto e a mesma vontade de esclarecer este caso mais que também se estendesse para tantos pobrezinhos que morrem nas periferias da nossa cidade nos hospitais mal cuidados as crianças que morreram na maternidade que foi preciso a TV GLOBO vir aqui e envergonhar a Justica e o Governo do Amapá no Brasil e no mundo porque a justiça deste Estado sequer consegue cassar o Prefeito Antonio Nogueira que se fosse nos Estados Unidos ou Europa estas denuncias estariam presos o Nogueira e os Promotores e juizes juntos por tanta omissão. Que a Doutora Karol e seus queridos filhos encontrem a paz de Deus e deve estar do lado de Deus cheia de luz vendo a hipocresia dos homens na terra desesperados pra aparecer na midia e a propria Midia deste Estado que tem um monte de meia boca e despreparados peseudos jornalistas falando um monte de bobagens..seres rastejantes chamados seres humanos que vagam neste planeta que esta no fim que lamentavelmente não deixam as pessoas que faleceram ficarem em paz..

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